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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

AMOR

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O que é AMOR, essa palavra pequena, mas com um poder gigantesco? Muito provavelmente, se você perguntar para dez pessoas, você ouvirá dez definições diferentes. Abaixo temos algumas dessas definições.

1. Afeição profunda a alguém, a ponto de estabelecer um vínculo afetivo intenso, capaz de doações próprias, até mesmo o sacrifício;
2. Dedicação extrema e carinhosa;
3. Sentimento profundo e caloroso de atração que um sexo experimenta pelo outro;
4. Apego;
5. Carinho e ternura;
6. Cuidado, zelo;
7. Relações amorosas, namoro.

O amor é cantado. O amor é prosado.

É expressado tanto nas palavras quanto no silêncio.

Faz parte da trilha sonora de novelas, filmes e seriados.

Faz parte da trilha sonora da vida real.

Faz parte dos relacionamentos entre casais, pais e filhos, amigos.

Alguns o classificam como um sentimento. Outros o enxergam como um verbo. Na verdade é um pouco dos dois, pois começa com um sentimento que lhe motiva a fazer algo por alguém.

O amor tem várias facetas e falaremos sobre uma delas. Para isso irei contar o relato da pequena Marina. E como diria a vinheta do programa infantil da TV Cultura Rá Tim Bum... Senta que lá vem história.



O ano é 1990. Gerson e Cristina estão ansiosos. Ela está com a menstruação atrasada. Gerson não sabe se fica feliz ou triste. Já Cristina tem certeza: está super feliz. É o sonho de ser mãe sendo realizado.

Os dois estão do lado de fora do consultório, aguardando a chamada do médico.

- Podem entrar.
- Com licença doutor.
- Parabéns, Cristina. Você está oficialmente grávida.
- Uhuuuuuuuu... Yeeeeeeessssss...
- A partir de agora você precisa cuidar melhor da sua dieta.
- Sim, senhor.
- Quero vê-la novamente daqui a um mês.
- Pode deixar, doutor.

Na saída do consultório Cristina imediatamente liga para todos os seus parentes e amigos e avisa sobre as boas novas. Dentro do carro ela não para de falar. Discorre sobre o quarto do bebê, sobre o enxoval, sobre a roupinha que ele irá usar na saída do hospital, sobre a necessidade de comprarem uma casa.

- Amor, por que não fala nada? Está tudo bem?
- Sim, sim.
- Ficou feliz com a idéia de ser papai?
- Sim, sim.
- Aaaahhh... eu estou assim... super feliz... não me aguento de tanta felicidade...

Cristina dispara a falar novamente. Fala sobre tudo e sobre todos. Explica que todos da família ficaram super felizes, menos o seu pai. Ele não queria que sua filha ficasse grávida antes de casar. Mas Cristina explicou que não havia problema porque o seu namorado seria o seu marido. Ela tinha certeza total nisso e pediu para o seu pai não se preocupar.

E Cristina a decorrer o seu monólogo.

- ... e nós nem precisamos nos preocupar com a compra do berço porque minha mãe falou que faz questão de comprar. E sabe o que mais? Gerson, você está me ouvindo?
- Sim, claro. O quê mais?
- Eu serei a melhor mãe do mundo.
- Não tenho dúvidas disso.

Gerson deixa Cristina no serviço dela e de lá vai para a oficina onde trabalha. Cristina acha o comportamento do namorado muito estranho. Ele nunca ficou tão sério desde que os dois começaram a namorar, isto é, há sete anos.

Cristina chega exausta do trabalho. Gerson ainda não chegou. Deve estar no bar com os amigos bebemorando.

No dia seguinte Cristina acha o seguinte bilhete encima da mesa:

“Cristina. Eu te amo muito, de todo o coração, mas acredito não estar preparado para ser pai. Pensei que estaria pronto, mas não estou. Sou muito novo ainda. Tenho muita coisa para fazer e um filho não faz parte dos planos. Recebi uma proposta de emprego muito boa e por conta disso estou indo morar no Rio de Janeiro. Como disse antes, te amo muito e espero que vocês dois possam ser muito felizes. Beijos, Gerson.”

Cristina vê o chão sob os seus pés desaparecer. Na segunda-feira fica sabendo que será mãe e na terça-feira é abandonada pelo namorado. Liga para sua melhor amiga que tenta consolá-la. Depois liga para sua mãe que, como toda mãe, é clarividente e diz que sabia que isso iria acontecer.

Depois de duas semanas de muito sofrimento, com crises diárias de choro, Cristina se recompõe. A alegria de ser mãe diminui a frustração de ser abandonada.

Após um mês da primeira consulta ela está de volta ao consultório para exames de rotina.

- Olá, Cristina. Tudo bem?
- Mais ou menos, doutor.
- Cadê o seu namorado?
- Então... Nós terminamos. Quer dizer, na verdade ele terminou.
- Hmmm... Sinto muito.
- Tem problema não, doutor. Vida que segue. Como está o meu bebê?
- Os exames mostram um bebê saudável.
- Que bom. Já da para ver o sexo?
- Ainda não. Acredito que na próxima consulta. Continue na dieta que eu recomendei, ok?
- Ok. Obrigado, doutor.

Cristina vai para casa feliz, pois tudo o que queria era ouvir que seu bebê está bem.

8 meses depois...

- Aaaaaaaaaaaaaaahhhhhh....
- Isso. Continue fazendo força.
- Se fizer mais força eu explodo. Aaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhh....
- Pare de reclamar e faça força.
- Iiiiiihhhhhh Aaaaaahhhh

TUM

- O QUE ACONTECEU?
- Você deu um chute na cara do médico. Ele desmaiou.
- ALGUÉM ACORDA ELE.
- Como?
- NÃO ME INTERESSA. ACORDA ELE. QUERO ACABAR LOGO COM ISSO. AHHHHHHHHHH... IIIIIIIIHHHHH

Muitos AAAAAAHHHHHHs e IIIIIIHHHHHHs depois.

- Pronto. Está saindo.
- Uééééé... uéééééé... uéééééé...
- Que garotinha mais linda, mamãe.
- Ai meu Deus. Posso pega-la?
- Claro. Aqui está.
É amor a primeira vista. Na verdade, Cristina já nutria esse amor pelo seu bebê desde o dia que ficou sabendo que seria mamãe.

- Qual o nome?
- Marina.
- Belo nome. O que significa?
- Aquela que veio do mar. É uma homenagem ao meu pai. Ele amava o mar. Sempre que tinha uma folguinha ele fugia para o mar. Dizia que ali era o seu refugio. Ali ficava longe de tudo e todos. Principalmente da minha mãe. Kkk...
- Que legal. E por falar em mãe...
- Cadê minha neta? Quero pega-la no colo.
- Aqui mamãe.

Assim é a passagem de Cristina pelo hospital: muitas visitas e chamegos. Todos querem pegar a Marina no colo. E todos apaixonados por aquela coisinha fofa, de cabelos loiros e olhos claros, como a mãe.

O tempo vai passando e o amor de Cristina por Marina só faz crescer. É um sentimento puro e genuíno. Tudo corre bem a não ser por um detalhe que deixa uma pulga atrás da orelha de Cristina: Marina não consegue andar. Ela já está com dois anos e não consegue ficar de pé. Os médicos dizem que é normal. Algumas crianças demoram um pouco mais até começar a andar. O problema é que Marina está demorando demais.

Cristina resolve então levar sua filha para o melhor hospital da cidade. Raspa todas as economias do banco e paga por um exame caríssimo e que só pode ser feito pelo Hospital das Clinicas.

- Senhora Cristina?
- Pois não?
- O doutor a está esperando. Pode entrar.
- Obrigada... Com licença doutor.
- Claro, Cristina. Sente-se, por favor.

Cristina senta, aflita com aquela situação.

- Bem, mãe. Creio não ter boas notícias.

Os olhos de Cristina imediatamente se enchem de lágrimas.

- Marina tem o que chamamos de *Síndrome de Renault, doença que não é diagnosticada com os exames rotineiros. Ela ataca os membros inferiores dos bebês.  
- Mas doutor.... Ela parece tão bem, tão saudável.
- E ela é uma criança saudável. Mas infelizmente, nessa área, o da locomoção, bem... não há remédio e nem cura.
- Isso quer dizer o que????
- Que ela nunca andará.
- Nunca?  Tem certeza, doutor? Faz de novo o teste, por favor.
- Cristina, eu fiz os testes 3 vezes. Não há nada que possamos faze. Sinto muito.

Pela segunda vez o chão desaparece sob os seus pés. A primeira vez foi quando Gerson a deixou. E agora ela fica sabendo que sua Marina, uma menina de sorriso fácil, não poderá andar. Não poderá correr. Nesse momento se passa um filme pela sua cabeça. Se lembra do vídeo que o seu pai fez dela, Cristina, dando os primeiros passos. Se lembra de quando brincava de pega a pega. Se lembra de quando corria pra cima e pra baixo com a sua cadela Sophie. Essas memórias não traziam nenhuma alegria nesse momento, porque ela sabia que sua filhinha não teria a oportunidade de fazer nada disso.

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7 anos depois...

Hoje é aniversário de Marina, a menina mais linda desse mundo - nas palavras da mãe babona. Está tudo decorado com a cor verde. Sim, Marina é palmeirense. Cristina tentou persuadi-la a torcer pelo Santos,  mas Marina não cedeu. Ela que pediu pela cor verde e por um bolo do Palmeiras.
Apesar da sua limitação motora, ela não tem problemas na escola. Ao contrário, é sempre uma das primeiras alunas da classe. Motivo de orgulho da família.

Todos estão felizes. A alegria de Marina é contagiante. É impossível ficar triste perto dela. Todos se aproximam da mesa, pois é chegada a hora de cantar parabéns. Cristina pede silêncio.

- Ok, pessoal. Vamos todos ficar em silêncio e cantar um parabéns bem forte para Marinaaaaaa....

Todos cantam com entusiasmo.

- Ok, filha. Agora, faça um pedido e apague as velinhas.
- Posso pedir dois?
- Claro.
- O primeiro é que...
- Nãããão... não pode falar qual é o desejo.
- Por quê não?
- Se falar ele não se realiza.
- Tá bom. Mas mãe, posso fazer dois mesmo? Posso?
- Geralmente não. Mas hoje iremos abrir uma exceção.

E com essas palavras Marina fecha os olhos e todos, sem ensaio, ficam em silêncio enquanto ela pensa nos desejos. Parece até que Marina está orando. Passados exatos 44 segundos, ela abre os olhos e apaga as velinhas. Todos estão quebram o silêncio e atacam o bolo de morango de Cristina, famoso no bairro.

10 anos depois

Marina não é mais uma menina. Hoje é uma mulher de 19 anos de idade que está no primeiro ano da faculdade. Sua limitação motora não a limitou e está agora matriculada no curso de Direito de uma das faculdades mais bem conceituadas do país. Nesse momento ela está no vestiário se arrumando para uma partida de basquete para cadeirantes.

- O jogo hoje será difícil, hein? As meninas do outro time são muito boas.
- São sim, Marina. Mas nós temos uma arma secreta.
- Temos? O que?
- O que não. Quem.
- Quem???
- Você, Marina. Você é nossa melhor jogadora e tenho certeza que irá arrasar.
- Para com isso, Soninha. Nós iremos arrasar. Nós.

Após o jogo, ambas têm razão. O time arrasa e Marina é eleita a melhor do jogo. Quando está indo para o vestiário, seu treinador lhe chama. Está com uma pessoa ao seu lado.

- Marina, posso falar com você?
- Claro, couch. O que manda?
- Esse é Guilherme.
- Oi, Guilherme. Prazer em conhecê-lo.
- Olá, Marina. O prazer é todo meu.
- Bela camisa, Guilherme. Amo essa cor verde. E amo esse símbolo aí com o P no meio. Também sou palmeirense.
- Que legal, Marina. Mas eu não sou apenas palmeirense. Eu também trabalho no Palmeiras.
- Sério? Que show. Se eu te der uma camisa você pega uns autógrafos pra mim?
- Claro, mas se ao invés de eu pegar, porque você mesmo não pega? Se você quiser eu te levo ao clube para você conhecer os jogadores.
- OH MY GOD !!!! É SÉRIO ISSO??????
- Claro. Quando seria um dia bom para você?
- Hoje!!! Agora!!! Já!!!

Marina é só alegria. Vai visitar o seu clube de coração e conhecer os jogadores que defendem as cores verde e branco.

- Só preciso ligar para mim mãe. E tomar um banho também, né? Não posso aparecer lá desse jeito.
É um dia mais do que especial na vida de Marina. Ela tira fotos, recebe camisas autografadas por todos os jogadores, ganha mimos do presidente Paulo Nobre, pisa no gramado sagrado do Allianz Park, almoça junto com os jogadores São Marcos e Evair. Tudo é festa. Guilherme então a chama de lado para uma conversa que irá mudar sua vida.

- Está gostando do tour?
- A-MAN-DO
- Que bom. Marina, tenho algo para lhe contar.
- Pois conte.
- Eu te conheço há algum tempo já. Tenho acompanhado os seus jogos.
- E gostou do que viu?
- Oh, gostei e muito... Bem, vou direto ao assunto. Os grandes clubes de São Paulo irão criar uma liga de basquete para cadeirantes. Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos irão investir em esportes visando os jogos Paralímpicos que acontecerão no Rio em 2016. É uma maneira que o governo, junto com os clubes, achou para motivar as pessoas que tenham algum tipo de deficiência.
- Nossa, que bom. Já era tempo, né?
- Também acho. Mas enfim, nós, da Sociedade Esportiva Palmeiras, gostaríamos de tê-la no nosso time de basquete. A sua alegria, entusiasmo e habilidade vão trazer muitos benefícios para nossa equipe. E tenho certeza que, do Palmeiras para a seleção brasileira, será um pulo.

Marina está em silêncio. Não se mexe. Guilherme imagina o pior. Ele segura Marina pelos ombros e começa a chacoalhá-la delicadamente. Mas ela continua sem se mexer. Ele fica desesperado. De repente Marina solta um pequeno som inaudível. Guilherme põe o ouvido próximo da boca de Marina, que continua a soltar pequenos sons inaudíveis. Ele põe o ouvido mais próximo da boca de Marina quando então ela dá um grito:

- UHUUUUUUUUUU YEEEEEEEEEESSS OH MY OH MY OH MY UHUUUUUUUUUU YEEEEEEEEEESSS NÃO ACREDITOOOOOO NÃO A-CRE-DI-TOOOOOOO  QUANDO SURGE O ALVIVERDE IMPONENTE  UHUUUUUUUUUUUU YEEEEEEEEEEEESSS

Guilherme dá um pulo para trás. Passado o susto, começa a gargalhar. Quando se aproxima de Marina, é agarrado por ela. Recebe um dos abraços mais aconchegantes e sinceros de toda sua vida. Marina começa então a chorar copiosamente. Guilherme, que é uma manteiga, não se aguenta de emoção e também começa a chorar. Ele então segura Marina pelos ombros novamente e olhando diretamente nos seus olhos diz:

- Tenho a mais plena convicção de que você será um exemplo de vida para muita gente. Dentro e fora do esporte.

Marina, secando as lágrimas que teimam em parar de cair, devolve o olhar direto e grita:

- SORVETEEEEEEEEEE. Vamos comemorar tomando sorvete.

Eles caem na gargalhada de novo e juntos vão para uma das lanchonetes do estádio. É hora de encher a cara de sorvete.


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16 de setembro de 2016...

Final do Basquetebol Feminino em Cadeiras de Rodas. Os Estados Unidos batem a Alemanha por 62 a 45. O Brasil encerra sua participação na Paralimpíada Rio 2016 na sétima colocação, tendo ganho da Argentina e perdido para Alemanha e Canadá. Essa é a melhor participação do Brasil em todas as Paralimpíadas.

Duas semanas depois do encerramento dos Jogos, o governador de São Paulo convida as atletas para uma cerimônia no palácio do governo. Alguns atletas irão discursar. Um dos atletas é Marina.

O governador faz a abertura do evento falando sobre as conquistas e benefícios que os jogos trouxeram para a cidade, para o país, para a população. O seu discurso é interrompido 3 vezes por algumas pessoas que gritam: FORA TEMER. Essas pessoas são imobilizadas pelos seguranças e são convidadas a deixar o local. Nervos colocados no lugar, é hora da participação de Marina.

“Boa tarde, governador. Boa tarde, atletas. Boa tarde, familiares. Boa tarde, jornalistas. Me esqueci de alguém? Bem, quero começar com um agradecimento à todos que acreditaram nos Jogos. Muitos tinham um pé atrás por entender que não estávamos preparados para receber pessoas do mundo todo. Provamos que eles estavam errados.

Quero agradecer aos clubes de futebol e empresas que investiram em muitos que estão aqui hoje. Por favor, continuem investindo. O esporte precisa do dinheiro de vocês.

Quero agradecer aos jornalistas que nos acompanharam por todo esse tempo. Vocês levaram para o mundo imagens e reportagens maravilhosas sobre os esportes e sobre os atletas. Muito obrigada.

Por favor, uma salva de palmas para vocês.”

O público presente começa a aplaudir. Depois de quase um minuto de aplausos, eles se silenciam novamente.

“Muitos nos chamam de heróis e heroínas. Outros tantos nos chamam de guerreiros. Veem na gente a expressão da superação. A expressão da garra. Olho em volta e vejo pessoas que não tem um braço. Outros não têm os dois braços. Pessoas sem um perna. Pessoas com problemas de visão. Pessoas com transtornos mentais.”

Marina para de falar por alguns segundos. Tenta conter as lágrimas, coisa que muitos ali já não conseguem.

“Você imaginar que essas pessoas conseguem jogar futebol, nadar, correr, pular. Fale a verdade. Você já imaginou um time de futebol onde os jogadores são cegos??? Bem, no mínimo é um jogo sem organização e que o placar terminará indubitavelmente 0x0, certo? Errado. São jogos emocionantes, com times organizados e com muitos gols. Detalhe: os goleiros têm a visão perfeita. E para orgulho nacional, o Brasil tem o melhor time do mundo e o melhor jogador do mundo, Jeffinho, o Neymar do futebol de 5. Deixa eu falar baixo aqui, mas pra mim ele joga mais que o Neymar.”

O público solta uma gargalhada gostosa.

“E o que dizer de Daniel Dias, o maior medalhista na natação em Paralimpíadas? O cara é um fenômeno, é um orgulho, é brasileiro. Por favor, fiquem de pé e deem uma salva de palmas bem forte para esses atletas que, diferentemente dos participantes do Big Brother, são os guerreiros e guerreiras.”

Marina nem termina de falar e as pessoas já estão de pé aplaudindo de forma entusiasmada e aos gritos de Uhuuu, Viva, Parabéns, Heróis, Guerreiros e todo tipo de elogio possível e imaginável. Realmente é um momento lindo que dura quase dois minutos ininterruptos. Enquanto o público aplaude, os atletas se cumprimentam com abraços e beijos. Muitos sorriem. Muitos choram.

Passado o êxtase, Marina volta ao microfone.

“Uma vez, quando estava na quinta série, a professora de português nos fez escrever uma redação sobre o amor. Ela queria que descrevêssemos o que era o amor para nós. Muitas ideias se passaram pela minha cabeça, mas nenhuma conseguia expressar o que era amor.”

Marina fica em silêncio mais uma vez, e agora não consegue e não quer conter as lágrimas. Enquanto isso, silêncio total.

“Quando cheguei em casa ficou claro para mim o que era amor. Coloquei então tudo num papel e levei para escola. Pelo menos eu achei que tinha levado. Quando fui entregar a redação para o professora, não encontrei. Fiquei desesperada e chateada. Fiquei um tempo sem poder comer, pois queria que minha professora lesse. Fiquei muito triste porque foi a melhor redação que já escrevi na minha vida e eu a havia perdido. S[o que não...

Marina, com um sorriso largo no rosto, levanta algumas folhas de papel para o alto.

“Mexendo nas minhas coisas semana passada, eu a encontrei. Está aqui a redação que explica o que o amor para mim. E agora terei a oportunidade de lê-la não somente para minha professora, mas para todos vocês.”

Mais lágrimas.

“O nome da redação é ANJO.

O que é o amor? Depois de pensar muito sobre o assunto, cheguei à conclusão que o amor não é algo. O amor é alguém: ele nasce, pulsa, toma forma, cresce, amadurece. O amor não se guarda. Não é egoísta. Não se contenta em ficar só. Ele precisa se derramar. Precisa se espalhar. Não consegue ficar parado. Ele busca a tudo e a todos.

Deixe-me tentar exemplificar. Quando ainda dentro da barriga da minha mãe pude sentir o que é o amor. Eu ouvia todos os dias a sua voz. Ela conversava comigo. Ela cantava para mim. Ela sorria para mim. Ela gargalhava para mim. Havia momentos que ela também chorava. Mas nunca a ouvi chorar tanto quanto no dia que eu nasci. Eram lágrimas misturadas com sorrisos. O médico me colocou do ladinho dela e ali pude sentir suas lágrimas molhando o meu rosto.

Em casa pude sentir o seu grande amor por mim. Ela não desgrudava de mim por um segundo qualquer. Me alimentava. Me dava banho. Trocava minha fralda. Me colocava no berço para dormir. Essa parte eu não gostava não. Então eu começava a chorar para chamar sua atenção. E ela, mesmo cansada, levantava, me pegava no colo, cantava uma música de terror para mim (Nana neném que a Cuca vem pegar o papai foi pra roça e a mamãe foi passear), me dava mais leitinho, cantava mais um pouco e no fim eu acabava dormindo na cama com ela.

O tempo foi passando e fui percebendo o quanto ela me amava. O cuidado que ela tinha por mim. O sofrimento que ela passou para comprar minhas roupas, meus brinquedos. Mas nada a fez sofrer mais do que a notícia de que eu não iria andar. Que eu seria dependente de uma cadeira de rodas. Isso acabou com ela. Foi a segunda vez que a vi chorar muito. Mas dessa vez de tristeza mesmo. Lembro que ela me pegou no colo e não queria me largar. Dizia que me amava demais e que juntas iríamos conquistar o mundo. Dizia que não seria uma doença qualquer que iria atrapalhar os meus sonhos.

Ela então, mãe solteira, trabalhava dia e noite para poder pagar as contas e comprar os meus remédios. E também para adaptar a casa. Minha avó tomava conta de mim enquanto minha mãe estava fora. Foram momentos difíceis, tensos, duros, de muita luta. Eu a via muitas vezes cansada, mas nunca triste. Ao contrário. Ela chegava, tomava banho e lia uma história para mim. Feliz da vida. Sorrindo. Me abraçando e me beijando. Eu me perguntava como aquilo era possível. Mas agora entendo. Era o amor na sua mais pura forma.

Em um dos meus aniversários eu fiz dois pedidos. Um possível e o outro impossível. Todos os dias eu via minha mãe assistindo a novela, e sempre que havia um casal se beijando, ela suspirava. Eu pedi então para o Papai do Céu mandar um namorado para minha mãe."

Marina para de ler a redação e anuncia: "senhoras e senhores, meus pais." Todos então se levantam e começam a aplaudir, enquanto eles se encaminham para o palco. Ao chegar, os três se abraçam. Os seus pais se sentam e então Marina retoma a leitura.

"O segundo pedido não será tão fácil e não tenho certeza que serei atendida. Eu disse para o Papai do Céu que quando crescer quero ser como minha mãe. Amar como ela me amou. Me dedicar as pessoas como ela se dedicou a mim. Dar atenção as pessoas como ela deu atenção a mim. Entender as pessoas como ela me entendeu. Tratar as pessoas como ela me tratou. E quando ser mãe, quero ser mãe como ela."

Marina olha para sua mãe e dá um sorriso.

"Professora, não sei se a senhora acredita em anjo da guarda. Bem, eu acredito. O meu mora na minha casa e se chama Cristina. Deus a colocou no mundo para cuidar de mim. E ela tem feito isso de forma excepcional. Se hoje eu acredito no amor, é por causa do meu anjo Cristina. Se hoje eu sei o que é o amor, é por causa do meu anjo Cristina. Se hoje eu sinto o amor, é por causa do meu anjo Cristina.

Marina então dobra as folhas da redação e olhando para sua mãe diz: Mãe, obrigada por me mostrar o amor. Obrigada por ser o amor. Dona Cristina, EU TE AMO !!!"

O lugar vem abaixo. Nesse momento ninguém mais se aguenta. É uma choradeira só. Cristina corre e abraça sua filha. As duas ficam ali por algum tempo. Não escutam os gritos da galera. Nesse momento, elas apenas escutam o som do coração.

Marina então pega o microfone e diz:

"Sei que nesse lugar há muitas Cristinas. Há muitos anjos enviados por Deus para cuidar dessa galera que disputou as Paralímpiadas. Mas há também lá fora outros anjos que cuidam de pessoas com algum tipo de comprometimento da função física ou intelectual. Estou falado dos pais, que fazem o possível e o impossível para os seus filhos. Quero agradecê-los de coração e dizer que, lá no Céu, tem um lugar especial guardado para todos vocês. E quero encerrar essa minha participação dizendo: obrigado, obrigado,obrigado."

Depois da cerimônia, recheada de discursos, sorrisos, prêmios, abraços e lágrimas, Marina e sua família foram a sorveteria.


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sábado, 24 de setembro de 2016

VIVER




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Quanto tempo é necessário para saber o quanto você conhece uma pessoa? Uma semana? Um mês? Um ano inteiro? Bem, alguns dirão que basta olhar nos olhos da pessoa e você saberá do que ela é capaz. Outros dirão que nem a vida inteira é tempo suficiente.

10 dias seria esse tempo o suficiente??? Para conhecer nossa personagem, a resposta é sim. E com apenas uma palavra é possível resumir o que é mais importante para ela:

VIVER
PLENAMENTE

VIVER
NO LIMITE

VIVER
O MOMENTO

VIVER
O QUE FAZ BEM

VIVER
O SIMPLES

VIVER
COMO SE NÃO TIVESSE AMANHÃ

VIVER
COM ENERGIA E ENTUSIASMO

É uma vontade de viver demasiada da conta, que não deixa nada nem ninguém interferir na busca pela sua felicidade. E o mais legal e - porque não primordial? - é que a busca pela sua felicidade faz com que ela transmita essa energia e entusiasmo para quem está a sua volta.

Para tentar explicar, vou dividir esse texto por seções.


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MÚSICA
Uma boa música, assim como um bom livro, tem um poder extraordinário. Ela nos leva à  lugares inimagináveis e faz os nossos pensamentos transcender tempo e espaço.
Muitas pessoas dançam. Nossa personagem vive a música intensamente, cantando e dançando de acordo com o ritmo da música, interpretando cada frase, cada riff de guitarra, cada solo de bateria. O mais legal é que não importa o idioma: pode ser português, espanhol, inglês. A música nos transforma em verdadeiros poliglotas. 


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DANÇA
Ela não dança, ela flutua levada pelo ritmo da música, seja dança do ventre, rock and roll, MPB, sertanejo ou funk. Seu corpo mexe de forma harmoniosa, desde a cabeça até a ponta dos pés. Sua sensualidade é hipnótica, atraindo os pobres mortais como uma serpente atrai suas vítimas. Mas seu veneno não é mortal, mas doce. Há momentos que a  sua dança é cheia de coreografia, com o mover dos braços e pernas de forma sincronizada. Há momentos que a sua dança é o simples ato de pular, mexendo a cabeleira e fingindo que está tocando guitarra para uma multidão de 200 mil pessoas no estádio do Maracanã. E há momentos onde ela apenas fecha os olhos, se imagina sozinha, dançando com ela mesmo. 


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COMIDA
Um dos maiores prazeres da vida é comer. Isso é inegável. Quem não aprecia uma bela lasanha? Ou uma feijoada bem feita (sem orelha e pé de porco)? Só se a pessoa tiver algum problema. E sobremesa então? Sorvete, pudim, bolo de chocolate. Nossa amiga não poderia ser diferente. Ela não é de comer muito, mas é fã de frango assado e de um lanche chamado cachorrão. Ela se esbalda quando come o cachorrão. E aí de você se quiser pegar um pedaço. Vai acabar sendo mordido. Sabemos quão generosa é a pessoa quando temos que dividir o pão. Me faz lembrar daquela brincadeira de criança chamada metadinha. Se você visse seu amigo comendo e gritasse metadinha, ele tinha que te dar a metade do que estava comendo. Enquanto eu comia meus lanches eu olhava para todos os lados.


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PARQUE DE DIVERSÕES
Pensa numa criança que está indo ao parque de diversões pela primeira vez. Sua reação é a reação de uma...... criança. Os olhos brilham, ela pula de alegria, ela quer comer algodão doce e cachorro quente. Ela não para. Ela não consegue se aquietar. E não estamos falando aqui dos parques da Disney. Estamos falando daqueles parques que ficam temporariamente nas cidades, apresentando shows como a mulher barbuda e Monga, a mulher gorila. Por mais que saibamos que é um truque, não fica um na sala quando a mulher fica em transe, se transforma em gorila e, aos poucos, começa a bater a porta da jaula (que sabemos que está aberta) e sai atrás das pessoas. 


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TRABALHO
Ela vive tudo intensamente, e no trabalho não podia ser diferente. Ela veste a camisa da empresa, e muitas vezes se posiciona de uma maneira como se a empresa fosse dela. Ela vive o sonho. Ela compra a ideia. Ela investe tempo, energia, neurônios e muitas vezes até sua saúde. Ela procura o bem para todos os envolvidos. E faz isso até quando está com a saúde debilitada. 


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DOGS
Pensa numa relação apaixonada entre mãe e filha. É muito carinho, né? Muito amor, muito cuidado. Se preocupar com a comida, com o banho. Agora, transporta para uma relação entre dona e cadela. Ou seria cachorra. Qual é o mais bonitinho: cadela ou cachorra? Bem, isso não importa uma vez que Sophie não é cadela e nem cachorra. Ela é uma dama muito bem cuidada por sua dona, que religiosamente a leva para passear (e aproveitar e fazer suas necessidades) de manhã e a noite. É possível ver o amor que uma nutre pela outra. O cuidado. O querer estar próximo.


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MÃE
Mexa com ela, mas não mexa com a mãe dela. Brigue com ela, mas não brigue com a mãe dela. Como diz o ditado popular: mãe é mãe. Ela está conosco nos bons e maus momentos. Principalmente nos maus. Elas nos avisam antes do acontecido, durante o acontecido nos dá bronca, e depois do acontecido tenta nos ajudar, seja moralmente ou financeiramente, buscando fazer o possível e o impossível para ver a sua filha fora de enrascadas. A mãe sai de casa a hora que for necessário, falta no trabalho para levar a filha ao médico, para cozinhar para a filha, para ir ao supermercado e comprar as coisas que estão faltando para a filha. Não tem como não amar essa mãe. Não tem como não defender essa mãe. Não tem como não brigar por ela. 


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LIBERDADE
Viver a liberdade de ir e vir, fazer e acontecer sem nada a dizer. Liberdade para fazer as coisas, dizer as coisas. Liberdade para amar e ser amada. Liberdade para gritar e ficar em silêncio. Liberdade para sair ou ficar em casa. Liberdade para dizer ao mundo que o ama ou mandá-lo para o inferno. Liberdade para comer e beber o que quiser, quando quiser, onde quiser e com quem quiser. Para ela, liberdade é ter asas para voar. Não que queira voar toda hora, pois há momentos que ela quer ficar quietinha, mas quando bater a vontade... que ninguém tente cortar suas asas dizendo que ela não pode chegar a tal lugar, pois ela pode.


Ela é assim. Vive o máximo de cada momento, seja na música, na dança, na comida, no trabalho, no cuidar da Sophie. Tudo elevado ao quadrado. Essa alegria e entusiasmo de viver pode estar atrelado a vontade de não morrer. Engraçado, não? O medo de morrer me faz querer viver. E a morte é inegável, isto é, todos passaremos por ela, independentemente do sexo, cor ou religião. o único mistério é: quando? Não sabemos. Pode ser hoje, amanhã ou daqui a 50 anos. Por isso temos que viver intensamente, fazendo com que cada momento seja especial, seja único. E quando o derradeiro dia chegar, podemos cantar como na música do OneRepublic e dizer: I LIVED.


https://www.youtube.com/watch?v=jIC6upazD6c