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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

20 de Novembro



1.

- Bom dia. Tudo bem?

- Bom dia. No que posso ajudá-lo?

- Meu nome é Gabriel e eu trabalho para o governo.

- Vixi! Valha-me Deus. Olha moço, eu não paguei a conta de luz porque esse mês as coisas apertaram por aqui, por causa da Covid, mas prometo que...

- Calma, minha senhora. Eu não trabalho para a Enel. Aliás, a Enel, Ente nazionale per l'energia elettrica, que em português significa Agência Nacional de Eletricidade, é uma empresa privada italiana com sede em Roma que comprou 70% das ações da Eletropaulo em junho de 2018, se tornando assim a líder de distribuição de energia elétrica no Brasil.

- Wow. Como você é inteligente.

- Obrigado, minha senhora. Na verdade, eu sou uma pessoa curiosa.

- Eu também, rapaz.

- Sério?

- Sim. Por exemplo, eu sou muito curiosa em saber o que acontece na vida dos outros. Kkkkkk... adoro uma fofoquinha. 

- Ah, minha senhora. Esse tipo de ‘curiosidade’ eu não tenho.

- Seu bobo, não sabe o que está perdendo.

- Aí é que a senhora se engana. Sei muito o que estou perdendo.

- Pois bem, moço inteligente.

- Mais uma vez, obrigado pelo inteligente.

- Já que você, graças a Deus, não veio cortar minha luz e assim eu posso assistir quem da Fazenda será eliminado hoje, e vou confessar que votei para a Jojo Todynho continuar, o que você quer aqui?

- Eu sou do departamento responsável pelo Censo 2020.

- Celso? Mas que Celso? Eu não conheço nenhum Celso.

- Não, minha senhora. Não é Celso. É Censo.

- O que é isso?

- O censo ou recenseamento demográfico é um estudo estatístico referente a uma população que possibilita o recolhimento de várias informações, tais como o número de homens, mulheres, crianças e idosos, onde e como vivem as pessoas. Esse estudo é realizado, normalmente, de dez em dez anos, na maioria dos países. Segundo a definição da ONU, "um recenseamento de população pode ser definido como o conjunto das operações que consistem em recolher, agrupar e publicar dados demográficos, econômicos e sociais relativos a um momento determinado ou em certos períodos, a todos os habitantes de um país ou território".

- Nossa, moço. Você é bom mesmo, hein?

- Obrigado. A senhora teria uns minutos para responder algumas perguntas?

- Claro. Quer entrar? Assim eu passo um cafezinho enquanto você faz as perguntas.

- Seria ótimo. Com licença.

 

Dentro da casa...

 

- Podemos começar?

- Claro.

- Vamos começar pelo começo. O nome da senhora?

- Mirtes.

- Nome completo, por favor.

- Mirtes Araújo Pereira da Silva Filho.

- Filho? Mas a senhora é mulher.

- Eu sei. Diga isso para o meu pai e para o rapaz do cartório.

- A senhora é casada?

- Por quê? Gostou do que viu, né?

- Olha, não posso dizer que não gostei. A senhora é uma mulher muito bonita. Mas a pergunta tem a ver com o questionário. A senhora é casada?

- Juntada conta como casada?

- Sim.

- Então eu sou casada.

- Vocês têm filhos?

- Sim. Temos 3 filhos.

- Ok. Tem animais de estimação?

- Você não viu os meus cachorrinhos quando passou pelo quintal?

- Vi sim. São adoráveis. São 3 no total?

- Não, são cinco. Mas dois estão na casa da minha mãe.

- Quantos anos a senhora, seu marido e filhos têm?

- Pergunta um pouco indelicada, não acha?

- Me perdoe, minha senhora. Preciso perguntar.

- Eu tenho 45, meu marido tem 50, e meus filhos têm, respectivamente, 20, 15 e 10.

- Ok. E são todos brancos como a senhora?

 

Silêncio...

 

- Como é que é?

- Seu marido e filhos, eles são brancos como a senhora?

- Brancos???? Como a senhora???? Olha pra mim, rapaz? Você acha que essa preta linda aqui é branca?

- Minha senhora, com todo o respeito do mundo, a senhora não é preta. Aliás, não podemos usar essa palavra, mas sim afrodescendentes, ou afro-brasileiros, ou brasileiros negros.

- Mas por que afro?

- Tem a ver com os africanos.

- Que mané africanos. Eu sou filha de baianos mesmo. Sou baiana-brasileira. E meu marido é cearense-brasileiro, e meus filhos são sampa-brasileiros. E NÓS SOMOS PRETOS. Que mané negros.

- Minha senhora, em primeiro lugar parabéns pelo nós somos. Fui em várias casas e as pessoas dizem nóis é...

- Obrigada.

- E em segundo lugar, eu não tenho aqui no meu formulário o termo preto, e sim negro.

- Esse formulário está errado.

- E em terceiro lugar... a senhora é branca.

- Moleque, você é educado, inteligente e até bonitinho, mas se me chamar de branca novamente...

- Qual o problema de chamar a senhora de branca?

- EU NÃO SOU BRANCA. EU NÃO... Meu Deus, a água do café.

 

Depois do café pronto...

 

- Eae. Como está o pretinho?

- Pretinho????

- Ééééé. O café? Como está?

- Uma delícia. Obrigado.

- Então rapaz inteligente, o café é preto ou negro?

- O café é preto, porque a cor dele é preta.

- Então, se o café é preto porque a cor dele é preta, logo eu sou preta porque minha cor é preta.

- MINHA SENHORA, A SENHORA É BRANCA.

- EU SOU PRETA.

- A SENHORA É BRANCA.

- QUER SABER, SAIA DA MINHA CASA.

- EU VOU SAIR. E VOU COLOCAR AQUI QUE A SENHORA E TODA A SUA FAMÍLIA É BRANCA.

- Quem você chamou de branca aí?

 

O rapaz olha para trás. É o marido de Mirtes. Um negão 4x4. Ou seria um preto 4x4? Ou um afrodescendente 4x4? Ou um afro-brasileiro 4x4?

 

- Você chamou minha mulher do que?

- Bran.... bran... branca.

- Retire o que você disse. Agora.

- Mas...

- Sem mas. Retire o que você disse sobre minha pretinha. Agora.

- Não posso.

- Por que não?

- Porque ela é branca. Só por isso. Não posso ir contra o que estou vendo.

 

Essa conversa demorou boas 3 horas e Gabriel, o rapaz do censo, saiu da casa sem saber qual era a cor da mulher. Ele deixou um ? no espaço da cor.

Dali foi direto para casa, e lá se afundou em livros ao mesmo tempo que consultava a Internet para saber se a pessoa podia ser chamada de negra ou preta.

Ele mesmo começou a ter dúvidas sobre sua própria cor. Sua mãe dizia que ele era moreno, mas... moreno é cor? E pardo, é cor?

Quanto mais lia, quanto mais pesquisava, menos sabia, menos se convencia.

Decidiu que não iria sair dali sem uma reposta.

Dormia no quarto.

Comia no quarto.

Vivia no quarto.

No início sua mãe levava comida e bebida para ele. Mas depois que ela veio a falecer, começou a pedir comida pelo ifood.

Como era funcionário público, manteve o emprego e passou a trabalhar de casa (home office).

Diz a lenda que Gabriel nunca saiu do seu quarto.

Ficou enfiado ali por dias, meses, anos, décadas.

Escreveu teses, teorias, histórias fictícias, bem como histórias reais.

Mas nunca, nunca mesmo, chegou perto de responder à pergunta que o perseguia desde o dia que conheceu dona Mirtes.

Preta ou negra?

E com essa dúvida não respondida, veio a falecer.

E fez questão de que colocassem na sua lápide:

“Aqui jaz um homem muito inteligente, mas não o suficiente para diferenciar o preto do negro do branco”.


 


 

2. 

- Oi, amor. Voltei.

- Eba. Trouxe o meu danone.

- Vixi. Esqueci.

- Tá de sacanagem comigo, né?

- Claro que estou. Toma aqui o seu danone.

- Beleza, amor. Sabia que podia contar com você.

- E como você se comportou muito bem na casa da minha mãe, sendo educado com ela, ouvindo suas histórias...

- Como assim me comportei bem? Eu sempre me comporto bem. Eu adoro sua mãe.

- Menos, amor. Sei que você não suporta ficar perto dela.

- É mesmo? Tá bem na cara assim?

- Você não consegue disfarçar, mas... como estava falando antes de ser interrompida... Você mandou muito bem, logo merece uma recompensa.

- Recompensa? Hmmm...

- Quieta o facho. Não é desse tipo de recompensa que estou falando.

- Aaahhhh....

- Como recompensa, eu comprei um pacote de BIS pra você, pois sei que você adora.

- BIS???? Uhuuuuu... comprou o preto, né?

- Como?

- Você comprou o preto, o BIS preto?

 

Silêncio.

 

- Xiiiiii... que cara é essa? Falei alguma coisa errada?

- Sim, disse... BIS... BIS... BIS...

- Fala, muié. Desembucha.

- PRETO. VOCÊ DISSE BIS PRETO.

- Calma. Não precisa gritar.

- Desculpa.

- Mas, voltando ao BIS, está errado? Ele não é preto?

- Sim, mas não falamos mais preto e sim escuro.

- KKKKKKK.... KKKKKKK...

- Albertoooo... para de rir.

- Desculpa, amor. Mas.... KKKKKK... BIS escuro. Que merda é essa?

- Não podemos mais falar preto. É racismo. Temos que dizer escuro.

- Tá maluca???

- Não. A própria empresa que, por medo de ser processada, mudou o nome de BIS preto para BIS escuro.

- Mas, e o BIS branco. Mudou também?

- Sim, agora é BIS claro.

- KKKKKK... BIS CLARO... KKKKKKK...

- Albertooooo...

- Desculpa, amor. Eu não aguento. Por isso eu vou repetir a pergunta, que é muito profunda e que fiz a alguns minutos.

- Tá. que pergunta?

- QUE MERDA É ESSA?

- São os novos tempos. Ah, e quando você quiser um mix, você irá pedir um BIS escuro e claro.

- Eu não acredito no que estou ouvindo.

- Pois é, meu amor.

-AAAAAAHHHHHH!!!!

- O que foi?

- Eles têm BIS lá que se chama BLACK. BIS BLACK. E aí? Hein? Hein?

- Esse não tem problema. É em inglês.

- Aff... Quer saber, esse papo deu fome. Passa o meu preti... digo, escurinho aí.

- Escurinho, não. Escuro. Falar no diminutivo passa uma ideia pejorativa.

- Quem disse? A empresa? Não vai me dizer que...

- Não, essa ideia é minha.

- Aaahhh, amor. Vai te cata. Passa o meu pretinho aqui. E com danone fica muito mais gostoso.

 

 

 

 

3.

- Uhuuuuuuuu!!!

- Nossa. Que alegria é essa?

- É hoje, meu. O dia mais esperado do ano.

- Mas hoje não é meu aniversário.

- O engrançadão, não estou falando do seu aniversário. Estou falando do dia que o mundo todo aguarda. A data é tão especial que as pessoas marcam na folhinha para não esquecerem. Todo mundo só fala sobre esse dia. O pessoal da TV, do rádio, dos sites.

- Perae. Estamos em qual mês?

- Novembro.

- Ué, o Natal não é em novembro.

- E quem está falando do Natal?

- Você. A data mais importante do ano é o Natal.

- Que mané, Natal.

- Tá falando do que então?

- Da Black Friday.

 

Silêncio

 

 

 

Não. Você não está errado. A terceira história não foi concluída.

Os dois amigos, que estavam conversando sobre a Black Friday, passaram horas discutindo.

Não, eles não estavam discutindo sobre as melhores ofertas ou Black Fraude, mas sim o termo em si.

Algumas lojas retiraram o termo Black Friday por acharem que há uma conotação racista na palavra black. O que é engraçado pois o termo não tem nada a ver com raça.

Poderia explicar aqui, mas como não dá para resumir (a história da origem do termo é um pouco longa), vou deixar que você, caro leitor, pessoa inteligente e curiosa, pesquise o porquê.

Bem, você deve estar se perguntando o motivo desses diálogos e temática.

É simples de responder.

No dia 20 de novembro celebramos o Dia Nacional da Consciência Negra.

Por que essa data?

Porque nesse mesmo dia, mas no ano remoto de 1695, morria Francisco Nzumbi.

Francisco nasceu em 1655 e com o passar dos anos ficou conhecido como Zumbi dos Palmares.

Palmares era o maior dos quilombos (local escondido, geralmente no mato, onde se abrigavam escravos fugidos).

Mostra a história que foi traído por um dos seus principais comandantes, Antônio Soares. 

Foi morto, esquartejado e sua cabeça foi cortada e exposta na praça do Carmo, em Recife.

Zumbi é celebrado em todo o país como um dos maiores e mais importantes líderes contra a escravidão no Brasil.

Voltando ao ano de 2020, um dia antes da comemoração do Dia da Consciência Negra, um ato hediondo aconteceu numa rede de supermercados francesa, o Carrefour. O que, cá pra nós, não é novidade uma vez que eles estão, vez por outra, envolvidos com cenas e situações desastrosas e polêmicas.

Em Porto Alegre, local onde ocorreu o fato, dois homens espancaram um outro homem até a morte. O nome da vítima é João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos.

O fato por si só já é horrível. Porém, um detalhe deixou o caso em evidência no Brasil e no mundo, fazendo com que até o 7 vezes campeão da Fórmula 1, o britânico Louis Hamilton, postasse sua solidariedade à família da vítima.

Mas qual fato é esse que mobilizou as redes sociais e as emissoras de televisão?

O fato de que a vítima era negra.

“Homem negro é espancado até a morte em supermercado do grupo Carrefour em Porto Alegre”.

Essa foi a manchete de quase todos os jornais, sites, e blogs do Brasil.

Desnecessário dizer que esse foi o tema de quase todos os programas de TV (aberta e paga).

Pessoas se questionando o que levou os envolvidos a cometer tal crime, a não ser racismo.

Um grupo de pessoas contra o racismo dizendo que se a vítima fosse um homem branco não teria sido espancado.

Um outro grupo dizendo que o caso só virou um pandemônio porque usaram a palavra negro na manchete. E usaram de propósito, só para chamar a atenção.

Pessoas dizendo que o caso era parecido com o que ocorreu nos Estados Unidos com George Floyd. Um negro que foi morto por asfixia por um policial que ficou durante vários minutos com o seu joelho no pescoço dele.

Outras pessoas dizendo que brancos morrem tanto quanto negros, mas que a mídia não fala sobre isso pois não dá audiência.

No final das contas, fica a pergunta: foi um crime racial?

Eu creio que sim. As evidências apontam para isso.

Outra pergunta: há racismo no Brasil? 

Evidente que sim. Só uma pessoa muito inocente para achar que não, não é mesmo vice-presidente Mourão?

Mas o que me chamou a atenção não foi a cor da pele da vítima, mas sim a violência dos seguranças.

A vítima já estava mobilizada. Não era necessário continuar espancando-a. Aliás, não era necessário nem começar a espancar.

O correto seria tentar acalmá-la, entender o que estava acontecendo, chamar o gerente da loja, e nunca, NUNCA, começar a socar a vítima, levando-a a óbito.

O despreparo das pessoas que trabalham nesses estabelecimentos e que têm a responsabilidade de manter a ordem é gigantesca.

É preciso que as autoridades fiscalizem com mais rigor as empresas de segurança.

Precisam verificar quem tem capacidade para prestar tais serviços.

A violência nunca dever ser usada, a não ser em casos extremos. O que parece que não era o caso. João Alberto já estava claramente imobilizado, não resistindo mais. Porém, os seguranças continuavam batendo.

E o mais triste. Uma moça, fiscal do supermercado, filmava a barbárie enquanto a vítima era espancada. Lamentável.

Muito se usou a palavra racismo. Você sabe o que significa?

De forma bem simples e objetiva: Racismo – discriminação e preconceito (direta e indiretamente) contra indivíduos ou grupos por causa de sua etnia ou cor. 

Racismo existe no Brasil e no mundo.

Há racismo de brancos contra negros; de negros contra brancos; de brancos contra brancos; de negros contra negros; de ocidentais contra asiáticos; de asiáticos contra ocidentais; de paulistas contra nordestinos; etc...

Há racismo para todas as cores e etnias e raças.

E não há perspectiva de mudança. É triste, mas é verdade.

O problema não está no externo (cor da pele), mas no interno (cérebro).

O ser humano é um bicho complexo. Nem Freud explica.

Jesus Cristo nos deixou uma grande lição quando perguntado qual era o maior dos mandamentos.

Ele disse que são dois: amar a Deus acima de todas as coisas e amar ao próximo como a ti mesmo.

O que Ele quis dizer com amar ao próximo como a ti mesmo?

Simples.

Eu me amo. Logo, eu devo amar ao meu próximo.

Eu quero o melhor para mim. Logo, devo buscar o melhor para o meu próximo.

Agora, quem é o meu próximo?

É toda pessoa que cruza o meu caminho.

E quando falamos toda pessoa, estamos nos referindo a brancos, negros, asiáticos, paulistas, cariocas, nordestinos...

Pessoas de todas as cores e etnias.

Amar talvez soe muito forte para você. Ok. 

Faça o seguinte. Troque amar por fazer o bem. 

Não faça e nem queira o mal para ninguém, independente da cor da pele.

Que nesse Dia da Consciência Negra você possa parar e refletir sobre como tem sido as suas ações com as pessoas que têm a cor da pele diferente da sua.

Que nesse Dia da Consciência Negra você possa parar e refletir sobre como tem sido as suas ações com as pessoas que têm a cor da pele igual a sua.

Melhor ainda...

Que nesse Dia da Consciência Negra você possa parar e refletir sobre como tem sido suas ações com as pessoas.

FELIZ DIA DA CONSCIÊNCIA

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Feliz Dia

 


O ano é 2100 e o Brasil é um caos. Não há médicos para atender os pacientes; não há advogados para defender os clientes; não há arquitetos para desenhar novos prédios; não há administradores para cuidar das cidades. 

O que há é uma falta de profissionais em todas as áreas possíveis e imagináveis.

Tudo começou quando os professores se rebelaram como nunca haviam feito na história do Brasil e do mundo. Eles decidiram que iriam cruzar os braços enquanto as condições nas escolas não melhorassem.

No princípio as autoridades acharam que eles estavam blefando, mas depois de um mês sem aulas eles entenderam que o negócio era sério.

A greve iniciou-se numa pequena escola numa pequena cidade do interior de São Paulo e logo foi tomando proporções herculanas. Mais e mais escolas foram aderindo ao movimento e quando os governos municipais, estaduais e federal perceberam, já era tarde. O Brasil todo estava parado.

Intermináveis reuniões foram feitas, porém nenhuma decisão foi tomada. Os professores exigiam melhores salários e condições de trabalho, bem como uma grade curricular que atendesse as reais necessidades das crianças (ensino fundamental), adolescentes (ensino médio) e adultos (universidades).

Aqueles que iniciaram o movimento acharam que em dois, no máximo três meses tudo já estaria resolvido. Ledo engano. A greve entrava no seu terceiro ano e o seu fim parecia ainda muito distante.

No início as escolas foram fechadas, mas com o passar do tempo e com a radicalização das ideias – as pessoas cada vez mais tinham menos paciência – algumas pessoas passaram a colocar fogo nas escolas. Começou com uma, depois outra, depois mais outra, e logo milhares de escolas sucumbiam em labaredas infernais.

Governos de outros países tentaram intervir oferecendo ajuda ao governo federal, porém o orgulho patriótico falava mais alto, fazendo com que tais ofertas fossem ignoradas.

Passados 20 anos de impasse, não havia mais diálogos e o pior, não havia mais professores. E sem eles, não havia mais novos profissionais, pois quem iria ensinar os futuros médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, administradores e até mesmo professores?

A última geração de pessoas que teve o privilégio de estudar, de ter momentos inesquecíveis ao lado dos seus amigos, começando na creche, passando pelo ensino fundamental e médio e terminando numa universidade, estava no fim dos seus dias.

Como parte do ciclo da vida, as pessoas com conhecimento técnico e profissional estavam morrendo. Estavam partindo desse mundo e junto delas ia-se embora todo o conhecimento adquirido por séculos. E o rito de aprender e ensinar morria com aquela geração.

O Brasil voltava a era da escuridão.


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Calma. Isto é apenas uma peça de ficção científica. Qualquer semelhança com a realidade é mera (será?) coincidência.

Graças ao bom Deus o sistema educacional do Brasil ainda existe e resiste, independentemente do viés político de cada governo.

Aliás, educação não deveria ter viés político. Educação é educação e ponto final. Mas todos sabemos que não é assim.

E por falar em existência e resistência, se tem uma classe que, apesar das intempéries, continua firme e forte, é a classe dos professores.

Apesar do salário e condições indignas, o professor segue fazendo o seu trabalho dignamente,  com afinco e amor. 

Num país onde cada vez menos as pessoas pensam em seguir tal profissão, ainda é possível encontrar alguns poucos malucos que decidem se dedicar a tarefa árdua de ensinar.

Árdua sim, mas também gratificante, pois não há nada que pague o olhar esfuziante de alguém que aprendeu algo novo.

Fica aqui os meus parabéns a todos que de alguma forma transformam a vida de uma pessoa, que mudam a história de outra e que de quebra acabam mudando a história do país.

PARABÉNS PROFESSORES

 

 

 

 

domingo, 5 de abril de 2020

MAIS TARDE



Estou no trabalho e, como sempre, não olho para os lados. Gosto de me concentrar ao máximo, pois distrações não levam a lugar algum. Ao contrário, te tiram da rota e uma coisa que não posso fazer agora é me desviar do meu objetivo principal: terminar o projeto.

No meio da página final recebo uma notificação de e-mail. É de uma amiga minha que vive na China. Sempre que pode, ela me manda informações sobre produtos mais baratos. Não sou um consumidor ferrenho, porém sempre que vejo que posso economizar um bom dinheiro, eu encomendo algo com ela.

Ignoro a notificação.  Estou atrasado com o projeto e tudo por culpa do perfeccionismo que herdei da minha mãe. E o engraçado era que eu costumava reclamar com ela sobre essa maldição. Em tudo ela sempre levava mais tempo do que os outros. Chegava a ser aborrecedor.

Certo dia, cansada dos meus chiliques, resolveu me contar a história do dia que me concebeu. Perfeccionista que é, preparou tudo de forma detalhista. Não queria nada fora do lugar. Sim, é exatamente o que você está pensando. Foi na casa dela, do jeito dela, na hora que ela quis.

Ela pensou em tudo, até na forma como iria seduzir o meu pai, o que não era muito difícil. Diz ela que colocou o seu melhor vestido, passou o perfume que deixava o meu pai enlouquecido e fez o prato predileto dele: lasanha. Ele caiu como um patinho. Até os dias de hoje ele acha que sou um acidente de percurso.

Estou quase no fim do projeto quando a notificação do e-mail começa a piscar freneticamente, o que significa que o assunto é urgente. O que será que minha amiga quer falar tão desesperadamente que não pode esperar um pouco? Será que alguém havia morrido?

Salvo o projeto, algo que nunca mais deixei de fazer depois que tive uma péssima experiência no nosso maior cliente, e vou até onde fica a máquina de café. Preparo o meu expresso, pego um pedaço de bolo de aniversário da Pamela que sobrou do dia anterior e volto para minha mesa.

Abro a caixa de entrada dos meus e-mails e clico na mensagem da minha amiga.É um vídeo. No início penso que é um daqueles trailers de filmes onde há um vírus devastador que acaba com metade da população do planeta. O enredo do vídeo é sempre o mesmo.

Ruas vazias... Hospitais lotados... O vídeo mostra pessoas chorando, pessoas morrendo, jornalistas, cientistas, médicos e supermercados. Todo o cenário que encontramos nos filmes produzidos para nos assustar. E como dizem, quem já assistiu a um filme já assistiu a todos.

Fico esperando a parte final pra saber quem são os atores, quem é o diretor, quando minha amiga aparece na tela. Ela está bem diferente de quando a vi pela última vez num vídeo onde ela mostra as belezas da cidade. Ela está usando uma máscara, mas tudo bem porque ela é enfermeira.

Os seus olhos estão vermelhos como se estivesse chorando a um bom tempo. Atrás da máscara sua boca se mexe, mas não ouço nada. Aliás, desde o início do vídeo eu não ouço nada. Será que ela me enviou um vídeo sem áudio? Duvido muito. Procuro o ícone do auto falante e clico. Tomo um grande susto.

Minha amiga chora desesperadamente. Eu quase não entendo o que ela diz. Paro o vídeo e volto para a parte onde ela começa a falar. Dessa vez estou prestando mais atenção. Dessa vez eu consigo entender o que ela diz. E o que ela diz não é nada alentador. Muito ao contrário.

No meio do choro, é possível entender que um novo vírus está se espalhando pelo país e mais de 200 pessoas morreram. Ela fala que esses são os números oficiais, mas se tratando de China, devemos duvidar. Só no hospital onde ela trabalha, mais de 5.000 pessoas foram infectadas e quase 130 morreram.

Ela não sabe informar qual o nome do vírus e como ele se espelha. Os cientistas ainda estão estudando, o que deixa a situação mais assustadora e a população mais aterrorizada. Ela insiste que eu transmita a mensagem para as pessoas que eu conheço, isto é, familiares, amigos, colegas de trabalho.

Olho para o relógio. Tenho 20 minutos para entregar o projeto e ainda preciso revisar o que escrevi. Não quero cometer erros de ortografia e concordância verbal, apesar de o word me ajudar bastante marcando os erros.

Penso na minha amiga pedindo desesperadamente que eu espalhe o vídeo para o maior número possível de pessoas.  Ao mesmo tempo penso no projeto. O que é mais importante agora? Neste momento o projeto é mais importante, pois o meu emprego está em jogo.

Semana passada recebi um ultimato da minha chefe. Ela disse que se eu não impressionar o cliente, posso pegar minhas coisas e procurar emprego em outro lugar. E como emprego não está fácil pra ninguém, preciso manter esse a qualquer custo.

Penso mais uns segundos sobre o vídeo da minha amiga e começo a racionalizar. A China está do outro lado do mundo. Até o vírus chegar no Brasil, bem, vai demorar muito. Se é que vai chegar. Esse vírus deve ser mais uma daquelas gripinhas que aparecem a todo instante. E como eu tomo muita vitamina C todos os dias e sou praticamente um atleta, não vou pegar esse resfriadinho.

Decisão tomada. Volto para o meu projeto. Como dito antes, tenho menos de 20 minutos para terminá-lo. Deixo o vídeo da amiga para mais tarde. Mais tarde eu repasso o vídeo para todos os meus contatos. Mais tarde eu me informo melhor sobre esse tal vírus. Se for o caso, mais tarde eu me previno. Mais tarde eu levo essa situação a sério. Mais tarde... Mais tarde...

Mais tarde pode ser muito tarde!!!



Eddie King – 03.04.2020

domingo, 29 de março de 2020

Onde?






Diz a lenda que certo homem saiu do seu vilarejo, localizado numa ilha no meio do Oceano Pacífico, e foi atrás da resposta para uma pergunta que o perseguia desde sua infância.

Man, que é o nome do homem da lenda, era curioso por natureza. Por viver num lugar belo e exótico, vez ou outra se pegava imaginando de onde vinha tamanha beleza.

O tempo passava e sua curiosidade somente aumentava. Ele conversava com as pessoas mais velhas, procurava respostas nos livros científicos, mas nunca estava satisfeito.

Certo dia, não se aguentando mais de tanta curiosidade, Man se despediu dos parentes e amigos e resolveu viajar pelo mundo. Deu um abraço demorado no pai, um beijo carinhoso na mãe e partiu.

Visitou os lugares mais diferentes possíveis. Passou calor e sentiu frio. Subiu montanhas e explorou cavernas. Trepou em árvores e em arranha céus. Ouviu o cantar dos pássaros e o buzinar dos carros.

Conversou com crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Ouviu os mais acreditáveis relatos. E os mais inacreditáveis também. Mas independentemente da história, a pergunta ainda lhe perseguia.

Decidiu então que não havia resposta para sua pergunta e resolveu voltar para casa. Estava com saudades dos seus pais e esperava muito encontrá-los vivos, pois já estava muito tempo fora de casa.

Durante a viagem de volta, enquanto pensava em tudo que viveu, e também nos seus pais, um homem sentou-se à mesa que Man estava. Virando-se para o garçom, o homem pediu um O.J.

- Você aceita um O.J. também?
- O.J.? O que é isso?
- Orange Juice. É a forma que os americanos usam para falar suco de laranja. Não sabia?
- Não, não sabia.
- Ah, os americanos. Eles usam cada gíria. Semana passada eu estava em New York quando uma moça....
- Me desculpe. Eu te conheço?
- Não. Mas eu te conheço.
- De onde?
- De vários lugares.
- Puxa vida! Não me lembro de tê-lo visto.
- Mas eu me lembro de você. Aliás, te conheço desde pequenininho, quando você era desse tamanho oh. Atrevo a dizer que te conheço desde quando você estava na barriga da sua mãe.

Man tomou um susto. Esse homem morava no vilarejo? Ele nunca o viu lá. E Man conhecia todas as pessoas do vilarejo. Todas. Afinal de contas era um vilarejo pequeno.

Man estava desconfiado. Quem seria aquele senhor e o que ele queria? Ele tinha uma memória muito boa e com certeza se lembraria se já tivesse visto aquele senhor.

- Olha, você deve estar me confundindo com alguém porque eu nunca te vi.
- Sim, me viu.
- Se tivesse visto com certeza me lembraria.
- Eu sei. Sua memória é muito boa. E fique tranquilo. Eles estão vivos.
- Eles quem?
- Os seus pais. Não era isso que estava pensando há alguns minutos?

Man ficou paralisado por alguns instantes. Como assim esse senhor sabia o que ele estava pensando? Ele buscou no fundo da sua boa memória, mas realmente não se lembrava de ter visto ou falado com aquele homem.

- Ok. Isto já está ficando estranho. Quem é você?
- Eu sou a sua resposta.
- Resposta?
- Sim. Desde pequeno você se pergunta: Onde Ele está? Bem, aqui estou.

Man, mais uma vez, ficou paralisado. Como assim? Ele estava diante de Deus??? Ele não podia acreditar nisso. Passou praticamente sua vida toda atrás da resposta e agora Ele estava ali.

- Eu não acredito. VOCÊ EXISTE.
- Claro que sim.

Man não acreditava no que estava ouvindo. Nem no que estava vendo. Depois de muitas viagens ele estava finalmente falando com Deus. E agora ele poderia tirar uma dúvida que o perseguia desde sempre.

- Então......... ONDE VOCÊ ESTAVA ESSE TEMPO TODO?

Man explodiu em revolta e fúria. Durante sua viagem pelo mundo ele presenciou muita coisa bela e agradável. Porém, ao mesmo tempo, foi testemunha de muitas injustiças e isso o enervava demais.

- Eu sempre estive com você.
- Como assim? Eu nunca te vi.
- E nem pode me ver. Não na minha forma real. Vocês ainda não estão preparados.
- Mas como então eu estive com você?
- Lembra da dona Zeide, a mulher da mercearia que você comprava o bolo de chocolate que você ama?
- Sim, lembro.
- Lembra do homem que você encontrou na Avenida Paulista nas suas andanças pelo Brasil?
- Lembro.
- Lembra da moça que você conheceu no Canadá enquanto escalava as Montanhas Rochosas?
- Sim, lembro dela também.
- O que essas pessoas têm em comum?

Man parou por uns segundos para pensar nas pessoas mencionadas: dona Zeide, o homem da avenida Paulista e a alpinista canadense... todos separados por milhares de quilômetros. O que eles poderiam ter em comum?

- Hmmm... Lembrei.
- Então?
- Todos eles me falavam sobre o amor. E muitas vezes não só falavam como demonstravam o amor com atitudes.
- Explique-se.
- O homem da Paulista me deixou passar uns dias na casa dele. A alpinista fez a mesma coisa. E na casa deles eu pude descansar, recuperar as energias e assim continuar minha viagem. E o engraçado é que eles nem me conheciam direito.
- E a dona Zeide?
- Ah a dona Zeide... Ela sempre falava de você. Bem... eu... posso chamá-lo de você?
- Hmm... Pode me chamar de Senhor mesmo.
- Pois bem. Ela sempre me falou do Senhor. Disse que Deus é amor, que perdoa as pessoas e que sempre nos dá novas oportunidades.
- E...
- E falava que devíamos fazer o mesmo: amar, perdoar e dar as pessoas novas oportunidades.

Man estava perplexo e embasbacado. Passou a maior parte da sua vida a procura da resposta para sua pergunta e ela estava logo ali, bem debaixo do seu nariz.

- Então, qual seria a resposta para a sua pergunta?
- Bem, a resposta é: DEUS ESTÁ EM TODO LUGAR.
- Muito bem. Eu estou em todo lugar, mas principalmente nas pessoas. Por isso é importante que as pessoas que creem em mim demonstrem amor com atitudes e não somente com palavras.

Man começava a entender o que Deus estava falando. As pessoas procuravam Deus no extraordinário, no impossível, nos milagres quando na verdade tinham que procurar no próximo.

Mil pensamentos estavam a passar por sua mente e Man tinha um milhão de perguntas para fazer e sabia que essa era uma chance única. Quando organizou suas ideias e resolveu falar, Deus o interrompeu.

- Eu sei que tem muitas perguntas, mas não poderei responder agora.
- Mas por que não?
- Porque você já está quase perto de casa.
- Que pena. Tinha tanta coisa pra falar.
- E você pode falar. Você tem total acesso a mim. Pode falar comigo todos os dias.
- O Senhor está falando da oração?
- Exatamente. Você pode abrir o seu coração e falar tudo que pensa. Mas por favor, nada de oração decorada. Elas são um porre.
- Como assim?
- A repetição não faz que eu ouça sua oração. O que vale é uma oração sincera. Se estiver triste, chore. Se estiver alegre, sorria. Se estiver grato, agradeça. Se estiver bravo, reclame. Mas seja sincero.

Man nem tinha se despedido e já estava com saudades. Em toda sua andança pelo mundo, ele nunca tinha sentido tanta paz como naqueles minutos que esteve com o Senhor. Ele nunca esqueceria esse momento.

- Bem, preciso ir.
- Até mais Senhor. E muito obrigado.
- Ah, Man. Entregue esse papel para filha da dona Zeide.
- O que é isso, Senhor?
- É uma receita para implementar o bolo de chocolate.
- Wow. E se ela me perguntar quem me enviou, o que eu digo.
- Diga simplesmente que Eu Sou te enviou.

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Vivemos um momento delicado da história do nosso país e do mundo. Muitas pessoas preocupadas com a saúde. Tantas outras preocupadas com o trabalho. E há até pessoas preocupadas com o que irão comer.

Essa preocupação não é privilégio dos brasileiros. Pessoas estão assustadas no mundo todo. E por conta desse medo, muitas pessoas têm questionado não somente a existência de Deus, mas sua bondade.

Essas dúvidas são recorrentes entre as pessoas, e elas florescem sempre que há uma situação de caos e desconforto, porque, cá pra nós, quando as coisas estão bem, ninguém se lembra de Deus.

Deus não está escondido num lugar secreto do Universo. Ele está perto de nós através da figura e palavras de Jesus. Ele está na natureza. Ele está nas pessoas. E fala conosco diariamente. Quem tiver ouvido, que ouça.

E vale lembrar que Jesus nunca prometeu uma vida sem tribulações. Mas sim prometeu estar conosco em cada momento, seja bom ou ruim.

Que nesses dias de incerteza e tribulação, ao questionar a existência de Deus, você possa abrir os olhos e enxergá-Lo; e ao questionar sua bondade, você possa lembrar que Jesus cuida dos seus.

“Estou a tanto tempo convosco e não me tendes conhecido? Quem me vê a mim, vê o Pai.”
João 14:9

“Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.”
João 16:33