- Deve ser muito dolorido, não?
- E como.
- O que aconteceu?
- Morreram de desgosto.
- Mas eles eram tão unidos.
Sempre felizes.
- Há quanto tempo a senhora não
aparece em São Paulo, tia?
- Já vai para uns 24 anos.
- Então a senhora não sabe da
missa a metade.
- Então fill me in.
- É uma longa história.
- Bem, não iremos a lugar algum
nas próximas horas.
- Ok! Então, senta que lá vem
história.
O ano é 2000. Todos estão em polvorosa. É muita
alegria. Pela primeira vez na história da família eles terão o nascimento de
não um, mas dois bebês. Sim, são gêmeos. A futura mamãe está que não se
aguenta. Imagina a combinação de roupas, penteados, carrinhos, brinquedos. Tudo
em dobro. O pai também está perdido em pensamentos. E também pensa na
dobradinha: alimentação vezes 2, saúde vezes 2, choro vezes 2, noites sem
dormir vezes 2... Tudo em dobro, é verdade, porém não se pode esquecer que o
amor também é vezes dois, o sorriso vezes dois, o carinho vezes dois...
Todos estão em casa: os pais Amélia e Nelson, os
gêmeos Carlos e Antônio, os familiares que não perderão esse momento por nada,
os vizinhos que adoram a família e que também contavam nos dedos a chegada do
grande dia, o pessoal da igreja que preparou um culto especial em forma de boas-vindas
para os mais novos membros da família e até um penetra que vê a muvuca que está
na casa e por curiosidade resolve entrar.
Passados horas, choros, abraços, discursos e tudo
mais que faz parte de uma grande festa, todos vão para casa. Todos menos as
sogras e os sogros. Como a filha e o filho são pais de primeira viagem, eles
resolvem ficar para dar uns conselhos. Bem, na verdade isso é apenas desculpa
para poder ficar um pouco mais ao lado dos netos que são, verdadeiramente,
anjinhos. Ambos cabeludos e fofuchos.
O tempo passa e os gêmeos Carlos e Antônio crescem
cada vez mais amigos, cada vez mais unidos, cada vez mais irmãos. Eles
simplesmente se adoram e fazem tudo juntos. Eles sempre...
“- Meu filho, eu já conheço essa parte
da história. Eu os vi crescer, lembra? Depois que eu perdi contato. Dá para
pular essa parte da infância?
- Não, tia. Não dá. A senhora
pode conhecer a história, mas o pessoal que nos lê não.
- Tá bom, então. Mas vai logo com
essa parte, por favor.
- Vou tentar. Bem, como eu
dizia...”
... acordam e vão dormir no mesmo horário; estudam
no mesmo horário e na mesma sala; contam e riem da mesma piada; gostam do mesmo
tipo de comida. A única coisa que fazem separados é namorar. Sim, eles têm
namoradas diferentes. E sim, elas sabem distinguir entre um e outro, sabem
dizer quem é quem.
Tudo parece perfeito e maravilhoso. Como dito
anteriormente, eles se adoram. É difícil presenciar uma discussão entre eles.
Eles não brigam por motivo algum. Bem, pelo menos não brigavam.
O ano agora é 2018...
"- Tia! Tiaaaa!!!
- Hã?!? O quê? Quando? Por quê?
- Tia, a senhora estava dormindo.
- Quem, eu?
- Sim, a senhora.
- Que nada! Eu estava meditando.
- Que mané meditando o que.
Confessa, tia.
- Tá bom. Eu confesso. Estava
dormindo. Também, essa história não acaba nunca.
- Tia, vou entrar na parte onde
eles deixam de ser tão unidos.
- Ah, é. Bom, essa parte me
interessa.
- Então, acorda!!! Não vá dormir
de novo.
- Não, tô bem. Pode continuar a
história.
- Ok. De novo, como eu dizia..."
Como está escrito acima, o ano é 2018. Eles não
são mais crianças. Ambos acabaram de completar 18 anos. Antônio está na sala
assistindo seu programa predileto quando Carlos entra na sala.
- Mano, chega mais. Está passando
o novo episódio de The Walking Dead. Vamos assistir.
- To afim não. To com fome. Quero
jantar. E mais, TWD está ficando sem graça. Parece que o Rick vai morrer.
- Nããããão, mano. Sem spoiler.
- Eu disse parece que ele vai
morrer e não que ele irá morrer.
- Anyway, vamos assistir. Senta
e...
Antônio para de falar. Ele não acredita no que os
seus olhos estão vendo. Na verdade, ele não quer acreditar. Ele desliga a
televisão para falar com Carlos. E para ele desligar a TV no meio do seu
programa predileto é porque a situação é séria.
- Que droga é essa?
- Do que você está falando?
- Dessa camiseta aí.
- Ah, você viu.
- Não, estou vendo agora. E não
quero acreditar.
- Acreditar no que?
- Que você apoia esse cara.
- Bem, apoiar apoiaaaaar eu não
apoio, mas acho que ele pode mudar o Brasil.
- TÁ MALUCO?
Carlos não tinha certeza, mas aquela deveria ser a
primeira vez que o seu irmão gritou com ele.
- ESSE CARA É DOIDO!!!
- Hey, posso saber o porquê do
tom de voz?
- Desculpa, mano.
- Assim é melhor.
- Você sabe que sou um cara da
paz, mas essa camiseta... esse cara nessa camiseta... bem, ele me tira a paz.
- Se não for ele, que será então.
- QUEM????
- OPA, VAI GRITAR DE NOVO?
Agora é o Carlos que aumenta o tom de voz.
- Que pergunta mais idiota você
me faz. É claro que o outro cara que está concorrendo com ele é beeeem melhor e
pode nos colocar no trilho de novo.
- O outro cara? Hahahaha!!! O
outro ou os outros?
- O que você quer dizer com isso?
- O cara é manipulado, todos
sabem disso. Só você e os outros cegos que não querem enxergar. Está na cara.
- OLHA LÁ COMO VOCÊ FALA DELE.
Antônio dá um salto do sofá e fica de frente com
Carlos. Os dois estão cara a cara, nariz a nariz, bafo a bafo.
- Mano, você escovou os dentes?
- Claro que sim.
- Não parece. Tá com o mesmo
cheiro do seu queridinho. Cheiro de podre.
Antônio não aguenta a ofensa e então começa a
briga. Ele é mais forte do que o Carlos. Não muito, mas é. Ele segura Carlos
pelo pescoço e começa a soca-lo. Carlos tenta se desvencilhar, mas o seu irmão
é forte. Com o barulho da luta, Nelson sai do banheiro onde estava calmamente pensando
na vida enquanto lia o jornal do dia anterior e vai até a sala ver o que está
acontecendo. Fica estarrecido quando flagra os seus filhos enroscados um no
outro e dá um berro. Aliás, o primeiro berro que profere nos últimos 15 anos.
Ele sempre foi calmo, mas aquela cena o tira do sério.
- O QUE
ESTÁ ACONTECENDO AQUI???
Antônio automaticamente solta Carlos. Não lembra
da última vez que o seu pai gritou com eles. Bem, lembra sim. Foi o dia em que
os dois, brincando de pega-pega, quebraram o vaso que ficava na mesa-centro da
sala. Wow!!! Isso foi há quinze anos.
-
ANTÔNIO, O QUE É ISSO? OLHA SÓ O NARIZ DO SEU IRMÃO.
Carlos está com a camiseta toda ensanguentada e
com cara de muitos poucos amigos. Ele bufa como boi bravo. Seus olhos são como
facas e estão apontadas para Antônio. Esse sentimento de raiva também é novo
para Carlos. Nunca havia sentido isso, muito menos se tratando do seu irmão que
ele adora.
- Foi ele quem começou pai.
- Como assim? Começou o que?
- Olha só a camiseta que ele está
usando!
Nelson tenta decifrar qual a imagem que está por
baixo do mar de sangue que ficou a camiseta de Carlos. Ele cerra os olhos e
mesmo assim não consegue ver com clareza o que é.
- Antônio, diga logo o que é pois
não consigo ver nada.
- É A FOTO DO OUTRO LÁ.
Carlos dá um grito. Ele não aguenta mais de raiva
e dor. Quer bater e muito no seu irmão. E essa raiva toda faz com que ele
ignore a presença do pai. Nunca que em sã consciência ele iria gritar com o seu
pai.
- TO
USANDO A CAMISETA COM A FOTO DELE. E DAÍ?
Nelson fica pasmo com a audácia do seu filho em:
primeiro, gritar com ele e, em segundo, usar a camiseta com a foto do outro lá.
Ele não sabe o que é pior.
- Rapaz,
olha pra mim.
Carlos olha, mas com apreensão.
- Você
sabe quem sou eu?
Carlos está mudo.
- Vou perguntar novamente, pois
acredito que não tenha ouvido da primeira vez. Você sabe quem sou eu?
- O senhor é o meu pai.
- Exatamente. E isso é maneira de
falar com o seu pai?
- Não, senhor. Mas foi o Antônio
que...
- Não quero saber. Da próxima vez
que você gritar comigo, bem será a última vez. Estamos entendidos?
- Sim, senhor.
Antônio dá uma pequena risada. Nelson percebe na
hora.
- E você? Está rindo do que?
- De nada.
- Não é o que parece. Por um
acaso está rindo da situação do seu irmão que está com o nariz sangrando?
- Não, senhor.
- Ah, que bom, pois não é nenhum
pouco engraçado.
Enquanto eles conversam sobre o ocorrido, Amélia
adentra a sala e vê os seus dois filhos amados. Um está com o cabelo todo
desarrumado. O outro, além do cabelo desarrumado, está com a camiseta toda
ensanguentada. Seu instinto de mãe a faz correr em direção do pai. Como qualquer
mãe faria naquele momento, ela acintosamente defere um tapa em Nelson, que não
entende nada.
- Hey! Por que você me bateu?
- Por que???? Olha a situação dos
meninos.
- O que que tem a situação dos
meninos?
- Você deve ter batido neles.
Olha como está o meu Carlinhos. Tadinho!!! Vem aqui com a mamãe, meu bebezinho.
Amélia puxa Carlos para o seu lado e começa a
acaricia-lo. Depois pega um pano e começa a limpar a sua camiseta.
- Pensando melhor, tira essa
camiseta, Carlinhos. Vou no seu quarto buscar uma nova, limpinha e cheirosinha.
E quando eu voltar quero saber direitinho o porquê de você ter batido nos
meninos, ouviu senhor Nelson Batista de Oliveira Filho.
- Mas eu...
- Sem mas. Quando eu voltar a
gente conversa.
Enquanto Amélia vai para o quarto, Nelson...
"- Hey. Parou por quê?
- Estou checando se a senhora
está acordada.
- Se estou acordada? Mas é claro
que sim. Não quero perder nenhum detalhe.
- Tá gostando da história, tia?
- Gostando??? Estou adorando. Eu
daria mil Reais para ver a Amélia dando um tapa na cara do Nelson. Isso é
surreal. Bem, continua. Para não.
- Ok, como dizia..."
Enquanto Amélia vai para o quarto, Nelson conversa
com os meninos e pede para que eles esclareçam para a mãe deles o que realmente
aconteceu.
A mãe do Carlinhos e do Toninho volta com uma
camiseta nova, limpinha e cheirosinha e ajuda o seu filhinho a coloca-la.
Enquanto isso Antônio explica o que aconteceu. Amélia se desculpa com Nelson e
diz que irá compensa-lo mais tarde depois que os meninos estiverem dormindo.
Nelson gosta da ideia e pensa que não foi tão ruim assim ter levado um tapa.
Quando Amélia pega a camiseta para checar a foto
do outro lá, ela não se aguenta e começa a bater em Carlos. Antônio olha para
Nelson que olha de volta para Antônio. Os dois ficam ali perplexos, sem
entender o porquê de o Carlos estar apanhando mais uma vez.
O que os dois não sabem é que Amélia havia
prometido que não tomaria partido nas eleições. Irá votar para quem o coração
apontar. Porém, não pode deixar que seu filho de ouro defenda um homem com
ideias tão retrógradas.
Nelson então intervém. Puxa Amélia para longe do
Carlos.
- Oh, mulher. O que é isso? Endoidou
de vez?
- Quem está doido aqui é o seu
filho. Como pode colocar uma camiseta dessas?
- E daí? Deixa o menino votar em
quem ele quiser.
- Olha, eu pensava assim, mas
mudei de ideia. Esse aí não.
- Ele vai votar em quem então.
- SEI LÁ, MAS ESSE AÍ DEFINITIVAMENTE
NÃO.
Amélia dá um grito ensurdecedor. Todos, de forma
atônita, olham para ela. Nelson não acredita no que vê nem no que ouve. Ele se
pergunta o que está acontecendo com sua família. Amélia então começa a falar.
- Me perdoem. Eu não sei o que
está acontecendo comigo. Eu nunca fui assim.
- Calma, meu amor. Essas últimas
semanas têm sido muito difícil. Os nervos estão a flor da pele.
- Sim, eu sei disso. Mas isso não
deveria afetar nosso psicológico.
- Não deveria, mas está.
Nelson abraça Amélia que desaba a chorar. Antônio
então se junta aos dois e, sentimental como a mãe, começa também a chorar. Nelson,
metido a valente, reluta, mas depois de alguns segundos sente as primeiras
lágrimas correrem pelas bochechas sujas com a labuta do dia.
Todos abraçados e pensando no que havia
acontecendo.
"- Peraaaaa. Como assim todos? E o
Carlos? Você não citou o nome dele.
- Exatamente, tia. Está prestando
atenção, hein?
- Opa. Não consigo nem piscar. Mas
e aí? O que aconteceu com o Carlos?"
Carlos não é sensível como o seu irmão. Enquanto
eles se abraçam na sala, ele vai para o seu quarto, pega sua mochila verde
preferida e começa a arrumar suas coisas. Na sua cabeça aquela é a primeira e
última vez que seu irmão e sua mãe põem a mão nele.
Quando os três dão conta, Carlos já tinha saído de
casa. Nelson e Amélia vão na casa de todos os parentes, dos amigos dele, da sua
namorada e nada. Vão até a delegacia e nada. Vão também em vários hospitais,
mas nada também.
O tempo passa e há uma transformação radical na
família. Não há mais alegria. Ela partiu junto com o Carlos. Nelson é mandado
embora, pois fica dias e dias fora, atrás do seu filho, e com isso a empresa
não pode fazer nada. Até ajudam no início, mas depois a situação fica insustentável.
Amélia emagrece. Não come quase nada. Por vezes é levada para o hospital para
tomar soro. E Antônio, bem, esse sofre e muito. Cresce sem amigos, sem namoradas,
sem vontade de viver. A única coisa que o mantem vivo é a esperança de
encontrar o seu irmão.
Então ele aparece.
"- OH MEU DEUS!!! O CARLOS APARECEU???
- Não, tia. Um amigo dele
apareceu.
- Ah, pensei que era ele.
- Tia, to quase acabando. Calma
aí.
- Tá bom. Desculpa."
Certo dia
alguém toca a campainha. Nelson sai correndo para atender. A sua frente está um
rapaz malvestido e acatingado. Ele se chama José e diz que tem notícias sobre o
Carlos. Amélia mal ouve o nome do seu filho e desce correndo do quarto. Coloca
José para dentro de casa e pede para que ele fale logo.
Carlos está morto e José era seu amigo de rua.
Sim, Carlos tinha se tornado um morador de rua. Tinha comprado uma passagem
para o Rio de Janeiro, sua cidade preferida, e lá ficou morando nas calçadas da
cidade maravilhosa. Fez amizade com José. Os dois não se desgrudavam. Carlos disse
que José seria o seu novo irmão.
O tempo foi passando e Carlos foi ficando cada vez
mais calado, cada vez comendo menos, até que passou mal e foi levado para o
hospital onde veio a falecer. José fuçou nas coisas dele e encontrou o endereço
daqui.
Antônio, ao ouvir a notícia do falecimento do
irmão, se trancou no quarto. Passadas algumas horas, veio também a falecer.
Ninguém sabe o motivo. Com certeza não foi suicídio. Os médicos dizem que morreu
de desgosto.
"-
Bem, essa é a história de dois irmãos
que se amavam e acabaram brigando, se separando e morrendo.
- Wow. Que triste, hein?
- Muito.
- Mas diga uma coisa.
- Falo até duas, tia.
- Tudo isso por causa daquele e
do outro lá?
- Exatamente.
- Aff!!!"
*
* * * * * * * * * * * * * *
Você pode pensar que essa história é fictícia e um
pouco carregada no drama.
Será?
O que tem acontecido nos últimos meses?
Conhecidos, sejam eles familiares ou amigos, têm
se engalfinhado em rede social como verdadeiros gladiadores.
Vivemos num regime democrático onde todos temos o
direito sagrado de opinar e votar em quem acharmos que seja legítimo receber
nosso voto.
O que não pode é o cidadão defender sua opinião com
agressividade e total falta de senso e educação, a ponto de fazer chacota e até
mesmo agredir não apenas verbalmente, mas também fisicamente.
Fica a pergunta para todos nós:
Será que vale a pena?
Que você possa votar de forma consciente naquele
que você acredita estar melhor preparado para dirigir nossa nação.
Quem está preparado?
Bem, a sua consciência irá lhe dizer.
E que no final da votação a DEMOCRACIA seja a
grande vitoriosa e que nós BRASILEIROS possamos ter uma BRASIL melhor para TODOS!!!!
Parabéns 👏👏👏 incrível esse texto.
ResponderExcluirExcelente texto. Nos leva a reflexão! Parabéns!!!👏👏👏
ResponderExcluirMais um excelente texto pra conta mestre 👏🏼👏🏼 Parabéns e que consiga trazer a razão alguns de cabeçados que estão colocando essa situação política acima do respeito e amor ao próximo 💝
ResponderExcluirExatamente, situação parecidas estão acontecendo e não estão se dando conta, não estou entendendo, tanto ódio e intolerância, falta respeito, falta amor, mostra claramente por isso que o Brasil está na situação que está agora.
ResponderExcluirMaravilhoso texto !
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