-
Mas por que você virou professora mesmo?
Essa
pergunta persegue Larissa desde o dia que ela se formou, o que aconteceu no final
do ano passado. Ela se recorda como se fosse ontem.
Seus
pais estão orgulhosos com filha, pois veem nela um sonho se realizando. Eles
mesmo não tiveram essa oportunidade. Os dois são analfabetos. Não sabem ler e
mal escrevem o próprio nome. Seu José desde os 8 anos ajudava o pai na
carvoaria da cidade e dona Maria ajudava a mãe em casa a cuidar dos irmãos e
irmãs.
Larissa
olha para os professores e amigos e abre um sorriso. Ela então se vira para os
pais e o sorriso se transforma em lágrimas, mas não de tristeza e sim de
alegria e orgulho. Ela sabe o quanto eles tinham sacrificado. Eles, mesmo sendo
analfabetos, incentivavam a filha a estudar, a ler, a se preparar para a vida.
Seu José costumava dizer que ele podia não saber ler, mas não sua filha. Ela
seria doutora, ou professora, ou diretora, bem, alguma coisa oura que iria
trazer orgulho para a família.
Larissa
então volta o pensamento para o primeiro dia de aula. Não foi o que ela pode
classificar como o melhor momento da vida dela. A começar pela escola em si. Um
prédio velho, com buracos no telhado, água vazando no banheiro das meninas,
ninhos de ratos em algumas salas de aula. Um prédio judiado pelo tempo e
esquecido pela administração regional da cidade.
Essa
situação tira um pouco o brilho do primeiro dia, porém ela está mesmo é
preocupada com os alunos. De como será recebida. “Será que iriam gostar dela? E se ela começasse a gaguejar de nervoso?
Os alunos iriam rir dela? O diretor iria manda-la embora? Seria muito triste
ser demitida no primeiro dia de aula.” Esses e muitos outros pensamentos
povoam sua cabecinha antes de colocar os pés pela primeira vez numa sala de
aula.
Sua
mente então a leva para a primeira reunião de professores. Ela também ansiava
por esse dia. Queria ouvir dos professores mais velhos, com mais experiência. Queria
aprender com eles, afinal eles estavam na estrada do ensino a mais tempo que
ela.
-
Nossa!!!! Peguei os pestes da 5 série E. Como eu odeio essas crianças.
-
Crianças?!?!? Tudo marmanjo. Tem criança ali não.
-
E você, Margarete?
-
Ah, os meus também não são anjos. Ninguém prepara a lição de casa. Aff!
Larissa
fica perplexa com o que ouve. A maioria dos professores reclama dos alunos. E
nenhum apresenta uma solução plausível para tais problemas. Usando a estratégia
que pensou no dia anterior, Larissa apenas ouve, não dando pitacos nas opiniões
dos outros professores. Até que...
-
E a professora nova? O que está achando de dar aula? Já quer desistir? Olha que
dá tempo, viu? Vai atrás de outra profissão.
Todos
caem na gargalhada. Todos menos a diretora.
-
Margarete, você realmente acha isso engraçado?
-
Não, diretora. Na verdade, acho isso triste.
-
Você quer saber o que eu acho?
-
Sim, por favor. Nos ilumine com sua sabedoria.
-
Acho que você precisa de uma reciclagem. Assim como esse prédio, você também
parou no tempo.
A
tensão no ar é palpável. Olhares são trocados. Conhecendo Margarete, ela não
ficará sem dar uma resposta à altura. A diretora então se antecipa e termina a
reunião. Dispensa todos os professores, exceto Larissa. Ela quer ter uma
conversa particular com sua professora mais nova.
-
Me perdoe, Larissa. Você não precisava ter ouvido isso.
-
Tudo bem.
-
Margarete é uma das nossas professoras mais antigas e uma das melhores também.
Gosto dela, mas realmente acredito que ela precise se reciclar. Aliás, acredito
que todo o nosso sistema de ensino precisa mudar. Precisa de um chacoalhão.
-
Eu concordo.
-
Concorda? Que bom. Fale-me sobre os seus alunos, suas aulas e sobre o que você
acha do ensino hoje.
Elas
ficam na sala dos professores por volta de 1 hora e meia e Larissa pode
conhecer um pouco dos pensamentos da diretora e dividir com ela o que pensa
sobre escola, alunos, professores, metodologia, etc. A conversa é muito
agradável até o momento que a diretora pergunta:
-
Mas por que você virou professora mesmo?
Larissa
não sabe responder. Bem, pelo menos não de forma clara. Fala, fala, fala e não diz
nada. Divaga sobre o ensino no Brasil, a participação do professor dentro e
fora da sala de aula, mas não é clara. A diretora, experiente como ela só, busca
acalma-la.
-
Tudo bem, Larissa. Eu acho que entendi.
-
Desculpa. Não fui muito clara.
-
Não tem problema. Com o tempo você terá a resposta certa.
E
o tempo passou, as férias de julho chegaram, as férias de julho passaram e
Larissa ainda não tinha uma resposta concreta para a pergunta da diretora, o
que lhe deixava intrigada, pois ela adora dar aula e cresceu com o pensamento
de ser professora.
Ela
não consegue pensar em mais nada a não ser na pergunta. Acorda pensando nela e
vai dormir pensando nela. Nenhuma resposta a convence. Ela está tão entretida
na busca por uma resposta que esquece que dia é hoje.
Chega
na escola e encontra sua sala vazia. Não entende nada. Vai então até a sala dos
professores. Ninguém lá também. A diretora então a encontra no corredor e a
leva até o pátio da escola.
Ao
chegar lá, surpresa. Todos os alunos da escola estão sentados no pátio. Os
professores estão em pé, atrás dos alunos. Larissa, ainda sem entender nada,
pega o calendário para checar que dia é hoje. Depois de ver a data, as coisas
começam a fazer sentido.
A
diretora então toma o centro do pátio.
-
Bom dia, professoras e professores. Bom dia, alunas e alunos. Bom dia, pais dos
professores.
Larissa
toma um susto. Os seus pais estão ali fazendo o que?
-
Hoje é um dia especial. Hoje é o dia deles, dos nossos queridos professores.
Todos
que estão no pátio começam a aplaudir entusiasmadamente. Os professores então
levantam o braço e acenam. Todos com ar de surpresa.
-
Bem, como se pode ver nos rostos dos professores, eles não sabiam. Eu quis
fazer algo novo esse ano, por isso disse para eles que não iríamos comemorar o
dia dos professores. Muitos ficaram tristes. Alguns até me xingaram, me
chamaram de desalmada. Disseram que eu não reconheço o trabalho deles.
Margarete
olha para baixo. Ela estava agora com vergonha das coisas que disse para a
diretora.
-
Mas tudo bem. Eu os perdoo. Sei que ficaram tristes, pois é uma data especial
pra eles. Bem, eles não sabiam, mas os alunos sim. Falei com cada um deles,
assim como falei com os pais dos professores.
Larissa
olha para os seus pais que estão sorrindo para ela.
-
Pedi sigilo absoluto. Não queria que vocês professores soubessem e, pela cara
de surpresa de vocês, os alunos e pais conseguiram manter segredo. Parabéns a
todos. Sei que não foi fácil.
Mais
uma salva de palmas e gritos de Uhuuuuuuu!!!
-
Assim como pedi sigilo, pedi para os alunos escreverem o que pensam dos
professores. Disse para que fossem sinceros, que abrissem o coração.
Tensão
no ar. Os professores ficam apreensivos com o que o Joãozinho irá falar sobre
eles.
-
Bem, em primeiro lugar quero entregar esses presentes para todos os
professores.
A
diretora então chama professor por professor e entrega uma caixa que contém um
livro, uma caixa de bombom e um vinho. Ela pensou nesses presentes depois de
conversar com os professores, conhecê-los melhor e perceber do que eles gostam.
Chegou no livro, bombom e vinho.
Os
professores gostam do presente. O que eles nunca irão saber é que o dinheiro
dos presentes saiu do bolso da diretora, pois a administração regional não
separou dinheiro para comemoração do dia dos professores.
-
Como diria Eddie, nosso professor de inglês, Well, it’s time! Hora de ouvirmos nossos amados alunos. E para
começar os trabalhos... chamo a frente a aluna Cícera.
Cícera
se levanta, vai até o centro do pátio e começa a falar...
“Querida professora Margarete. A
senhora é uma ótima professora, mesmo nós não sendo ótimos alunos. A senhora
pede toda aula para fazermos lição de casa e toda aula a gente esquece. A
senhora fica com muita raiva. Sabe como sei disso? As suas orelhas ficam
vermelhas. Fica com raiva não, professora. Isso é ruim para a sua saúde. Oh, te
amo viu. Mesmo a senhora sendo brava as vezes. Sei que a senhora só quer o
nosso bem. E prometo, na frente de todo mundo aqui, fazer todas as lições de
casa.”
Aplausos
efusivos. Cícera leva o bilhete e entrega na mão de Margarete, que com lágrimas
nos olhos, dá um abraço carinhoso em Cícera que volta para o seu lugar e dá
espaço agora para Sonia.
“Dear, teacher Eddie...
Eddie,
professor de inglês da Sonia, abre um sorriso de orelha a orelha. Fica imaginando
que sua aluna irá ler um texto todo em inglês. Ah, que orgulho ele está
sentindo agora. Sonia então faz uma pausa, olha para Eddie e continua...
“eu odeio ingrêis, eu odeio essa
língua maldita. Não consigo entender nada. I am... You
are... He are… She are… aaaaaaaaahhhhh odeio odeio odeio... Odeio você também teacher. Não gosto
de você, nem das suas aulas, nem dessa língua... você fica lá falando e eu não
entendo nadaaaaaa... Oh, e não sou apenas eu, tá? Um monte de gente não gosta
de você e nem dessa língua. Tenha um péssimo dia dos professores!!!”
Silêncio
no pátio. Sonia deixa o centro do pátio e, batendo o pé, volta para o seu
lugar. Todos, simplesmente todos, têm os olhos voltados para Eddie que não sabe
onde enfiar a cara. Larissa, que está próximo dele, dá um abraço nele, tentando
confortá-lo. Ela então, bem baixinho, diz no ouvido dele, “Eu gosto das suas aulas e adoro inglês.”
Eddie
abre um pequeno sorriso, pega o seu presente e vai para sua sala. Não tem mais
clima para ficar ali.
- Bem, momento awkard, ladies and gentlemen. Mas
vamos continuar. O show não pode parar. Como diria o Eddie, the show
must go on. Bem, talvez não seja um bom momento falar sobre o Eddie agora.
Mas então, continuando, nosso próximo aluno é o Anderson.
Anderson,
um menino pequenininho, tímido de tudo, se levanta e vai em direção ao centro
do pátio. Começa a falar, mas sua voz é tão baixa que ninguém consegue ouvir.
Providenciam então um microfone velho que estava na sala dos professores e
entregam pra ele. Agora sim é possível ouvi-lo.
“Querida professora Larissa. Sempre
fui tímido e por conta disso não tenho muitos amigos. Na verdade, acho que não
tenho amigo algum. Os outros alunos não gostam de falar comigo. Gostam sim de
fazer piadas comigo, com o meu tamanho. Sempre me senti excluído. Os
professores nunca me deram atenção. Bem, isso até a senhora chegar aqui na
nossa escola. Não sei se a senhora se lembra, mas no primeiro dia de aula a
senhora se sentou ao meu lado quando eu disse que não tinha entendido a lição.
Eu nunca vou me esquecer da atenção que a senhora me deu. Aquele momento foi
muito mais que especial. E percebi que a sua atitude não é exclusiva minha. A
senhora é assim com todos os alunos. A senhora é carinhosa, bondosa, prestativa
e explica muito bem. Por isso digo: MUITO OBRIGADO, professora Larissa!!! Feliz
dia dos professores!!!”
Anderson
começa a andar em direção da professora quando é tomado por um abraço. É
Larissa. Ela sai correndo do seu lugar para abraça-lo. Aquelas palavras tocam e
muito o coração dela. Ela chora como criança. E lá no fundo, seus pais também
choram. Aliás, difícil é achar alguém que não esteja emocionado com aquele
momento.
A
diretora então chama a atenção para si novamente e continua com as homenagens.
Dessa vez ela chama o Joãozinho. Tensão e apreensão no ar. Enquanto ele se encaminha
para o centro do pátio, as pessoas observam algo diferente nele. Ele está bem
vestido e com um penteado im-pe-cá-vel.
Ele
então, assim como Anderson, pega o microfone e começa a falar.
“Querida professora Jasmim, a senhora
é literalmente uma flor. Pensei muito antes de escrever essa pequena carta de
amor. Sim, eu disse AMOR... Professora, a senhora é minha musa inspiradora.
Você é quem me faz levantar todos os dias e vir para essa escola. Gosto de
estudar? Claro que não. O que me move até aqui são os seus cabelos ruivos e
cacheados. O seu perfume toma conta do ar e das minhas pequenas narinas. A sua
pele... aaahhh a sua pele. Ela é macia como pêssego. Como sei disso? Todos os
dias você faz parte dos meus sonhos e neles eu acaricio a sua pele, beijo seus
lábios carnosos, desço minha boca pela sua barriga até chegar na....
-
EEEEEPPPPPPAAAAA!!!! OK OK OK.
A
diretora dá um pulo e toma o microfone de Joãozinho.
-
Muito obrigado Joãozinho. Acho que todos entendemos. Não é professora Jasmim?
A
professora Jasmim não sabe onde enfiar sua cara. Os outros professores estão
morrendo de rir. Os colegas de Joãozinho o parabenizam pela coragem.
-
Ok, pessoal. Depois desse momento caliente
vamos continuar as homenagens.
E
assim os alunos continuam emocionando os seus professores com expressão de
carinho através das mensagens. Ao final das homenagens, todos são convidados a
comer e beber.
Enquanto
eles comem, muitos aproveitam para conversar, colocar o papo em dia, comentar
sobre o que foi lido. A diretora então vê Larissa conversando com os seus pais.
-
Com licença.
-
Olá, diretora. Que belo evento. Parabéns.
-
Não foi nada. Vocês professores merecem.
-
E essa comida aqui? Que delícia!
-
Agradeça sua mãe. Ela que teve a iniciativa de falar com os outros pais e
preparar essa farta mesa com comes e bebes simplesmente deliciosos.
-
Ah, minha mãe é assim mesmo.
Larissa
dá um abraço apertado em sua mãe. Depois dá um abraço apertado no seu pai. Ela
então vira para a diretora e diz:
-
Diretora, já tenho a resposta.
-
Resposta?
-
Sim, para a pergunta que você me fez na reunião dos professores.
-
Qual pergunta? Fiz tantas.
-
Você me perguntou: Mas por que você quer ser professora mesmo?
-
Ah, verdade. Lembrei agora. Tá, qual é a resposta.
Larissa
beija os seus pais, põe a mão na bolsa e puxa as cartinhas que recebeu dos seus
alunos.
Ela
então aponta para os pais e diz:
-
Por causa deles.
Depois
aponta para as cartinhas e diz:
-
E por causa deles.
A
diretora abre um sorriso e responde:
-
Essa é a melhor resposta que você pode dar. Sempre que lhe perguntarem o porquê
de você ter escolhido essa profissão, diga: POR CAUSA DELES.
-
Obrigado diretora. Você é uma ótima pessoa e excelente profissional.
-
Sou nada.
-
É sim. Por exemplo, eu sei que a senhora comprou os nossos presentes com o seu
dinheiro.
-
Quem te disse?
-
Um passarinho.
-
Ah, esse passarinho fala demais.
-
Obrigado, viu. Amei os presentes. Aliás, acho que vou abrir a caixa de bombons
agora. Que tal?
-
Ótima ideia. O de amendoim é meu.
Larissa
então abre a caixa e eles ficam ali, degustando os bombons e se divertindo com
as histórias do pai de Larissa.
*
* * * * * * * * *
Parabéns Larissas, Margaretes, Jasmins, diretoras...
Continuem sendo pessoas especiais que fazem diferença na vida de milhões de
brasileiros.
Todos nós temos histórias emocionantes para contar e
isso é POR CAUSA DE VOCÊS!!!!
PARABÉNS PROFESSORES