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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Carlão




Ele olha para baixo e não as vê. Aperta os olhos para poder focar a visão, mas nada. Elas não estão lá. Olha para o lado e vê uma espécie de tubo saindo do seu braço. Não lembra de como chegou ali. Ele olha para o teto. Tenta entender o que está acontecendo. Deve ser o efeito dos remédios. Do seu lado ele vê a figura de uma mulher com os cabelos grisalhos. Ela está sussurrando. Parece estar falando com alguém.

Olha novamente para baixo e não se conforma. Elas deveriam estar ali. Tenta falar, mas não consegue. Da sua boca não sai som algum. Tenta arrancar o tubo, mas não tem forças. Já foi uma pessoa forte. Não é mais. Os braços estão finos. As coxas também. E a barriga, seu grande orgulho, está murcha. Pensa em se levantar, mas logo muda de ideia. O levantar, até mesmo o andar, não fazem mais parte da sua rotina.

Aos poucos reconhece o local onde está e o porquê de estar ali. As coisas começam a ficar mais claras e isso traz certa tristeza. Olha para o lado novamente e a mulher de cabelos grisalhos continua ali. Na verdade, ela nunca saiu do lado dele. Ele então a reconhece. Lágrimas. “Não mereço tanto amor”, ele pensa. Se pergunta o porquê de ela continuar ali, ao lado dele. Deveria ir embora, cuidar das coisas dela. Não deveria se sacrificar tanto.

Tenta não olhar para baixo novamente, mas e impossível, pois seus olhos são atraídos para aquela região. Percebe então que, infelizmente, é real: suas pernas não estão mais lá. Suas amigas que o levaram para os mais diferentes lugares tiveram que ser separadas do seu corpo. A doença não perdoou. Elas tiveram que ser sacrificadas, caso contrário todo o corpo padeceria. Elas não estão mais ali, mas ele parece senti-las. E fica um pouco mais triste quando lembra que com elas fazia o que mais gostava: dirigir. Amava tirar o carro da garagem e dar uma volta. Desde a ida a padaria para comprar pão até a viagem ao São José do Rio Preto.

Olha para a mulher mais uma vez. Ela não está mais supostamente falando com alguém. Parou. Está agora encarando ele. “Que mulher bonita”, ele pensa. Ela parece entender o pensamento e abre um pequeno sorriso. Mostra uma feição cansada. Precisa dormir.

- Santinha.
- Carlão.

Eles falam apenas isso. Não precisa muito mais. Ela se levanta e fica ao seu lado. Começa a alisar o que resta do cabelo dele. Com muito custo ele levanta o braço e começa a acaricia-la. Santinha começa a chorar. Sente falta do toque dele.

- Quero comer. Tô com fome.
- Vou chamar a enfermeira.

Ele a puxa de lado e bem baixinho diz:

- Pede pra trazerem melancia.

Santinha solta uma pequena gargalhada. Melancia é a fruta preferida dele. Fala com a enfermeira que prontamente atende o seu pedido. A enfermeira gosta deles. Enquanto comem, conversam mais um pouco. Com a boca cheia de melancia e com um pouco de caldo escorrendo pela boca, ele pergunta:

- Cadê os meninos?
- Estão trabalhando. Virão mais tarde.
- Estão todos bem?
- Sim.
- Que bom. Saudade deles.
- Eles também estão com saudades.

Ele dá mais uma mordida na melancia.

- Tava falando com quem?
-  O quê?
- Eu te vi falando com alguém.
- Eu? Não tinha ninguém mais no quarto. Só eu e... ah já sei. Você me viu orando.
- Estava orando?
- Sim. Pela sua recuperação. O quadro é difícil, mas para Deus tudo é possível.

Essas palavras batem forte. Ele põe a melancia de lado. Olha para Santinha fixamente. Com os olhos lacrimejados e com a voz embargada diz:

- Sinto muito.

Santinha não entende nada.

- Sente pelo que?
- Por tudo. Por você... pelas crianças...
- Para com isso Carlos.
- É sério. Sinto mesmo. Será que fui um bom pai para os meninos?
- Bom? Você foi ótimo. Nunca deixou faltar nada. Trabalhava duro para comprar roupa e colocar comida na mesa.
- Mas... será que ensinei o que é certo para eles? Será que não fui muito duro as vezes?
- Sim e sim. Você ensinou o que é certo, o que é ser honesto, o que é ser responsável. E sim, você foi duro com eles, mas duro na medida certa. Nem mais, nem menos. Bateu quando tinha que bater. Conversou quando tinha que conversar.
- Mas será que eles vão seguir o que eu ensinei?
- Carlos, isso já não compete mais a você. Você mostrou o caminho, agora é com eles seguir ou não.
- Por que você é assim?
- Assim como?
- Tão boa comigo.
- Sei lá. Acho que é porque eu te amo.
- Mas porquê? Sei que passamos por muitas coisas boas, mas também sei que te fiz sofrer muitas vezes.
- Pois é. Fez mesmo.
- Tá vendo? Você concorda!
- Deixa de ser besta, Carlos.
- É sério. Eu tenho sido um fardo pra você.
- Deus não nos dá um fardo maior do que possamos carregar.
- Você tem sofrido demais. Às vezes eu queria que isso acabasse logo. Quero deixar você e os meninos em paz.
- Meninos e a menina, não se esqueça.
- Esquecer? Como eu vou me esquecer da neguinha? Aliás, como ela está?
- Triste.

Carlos fica em silêncio. Pensa um pouco antes de continuar falando.

- Me desculpe. Me desculpe por tudo.

Santinha olha bem pra ele e diz:

- Tudo bem. Eu te perdoo.

Santinha se levanta e dá um abraço em Carlos. Ele tenta falar algo, mas não consegue. As palavras estão entaladas na garganta. Ela corta um pedaço de melancia e coloca na boca dele. Nesse momento a médica entra na sala com uma folha de papel. São os resultados dos últimos exames. A cara dela não é boa. As notícias também não.

Depois de 2 semanas Carlão falece.


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Ele abre os olhos. Olha para frente, para trás, para os lados. Não vê nada a não ser um mar branco. Parece que está numa nuvem, rodeado por outras nuvens. Está sentindo algo engraçado. Olha para baixo. Suas pernas estão lá. Ao longe vê algo reluzindo. Chega mais próximo. É um espelho. Olha e vê um rosto sadio. A barba está feita e o cabelo está de volta: cheio, volumoso, macio e preto.  

Sente uma mão tocar o seu ombro.

- Olá, tudo bem?

Carlão se vira e o que vê é incrível. Ele está face a face com um anjo.

- Eu sou o anjo Gabriel.
- Eu... eu... eu...
- Você é o Carlos.

Carlão está hipnotizado com o tamanho e a beleza do anjo.

- Eu... eu... eu...
- Tudo bem. Todos têm essa reação.

Ele então toca na testa do Carlão que automaticamente para de gaguejar.

- Eu não acredito nisso. Anjos realmente existem.
- Claro que existimos.
- Wow. Minha Santinha vai ficar doida quando eu disser que não apenas vi, mas conversei com um anjo.
- O que ela dirá então quando você disser que conversou com o próprio Todo Poderoso?.

Carlão fica estático. Ele iria falar com Ele?

- Vamos! Eles estão nos esperando.
- Como assim ‘eles’?
- A trindade.

O anjo Gabriel levanta o braço direito e instantaneamente os dois são levados para uma espécie de jardim. Há uma grande árvore no centro e ao redor é possível ver flores dos mais variados tamanhos e cores. Uma mais bela do que a outra.

- Bem. Daqui eu me despeço. Prazer em conhece-lo.

O anjo Gabriel levanta novamente o braço direito. Carlão está sozinho. Mas não por muito tempo.

- Olá, Carlão. Estava esperando sua presença ansiosamente. Não sabia que já havia chegado. Bem, na verdade eu sabia, pois sou onisciente, onipresente e onipotente. Hahaha

Carlão estava na presença de Deus. E Deus tem bom humor.

- Eu sei exatamente o que você está pensando e sei quais serão suas próximas palavras. Porém, não vou dizer senão ficaremos aqui num monólogo e não diálogo. Bem, vamos começar pelo básico. Como vai você?

Carlão não diz nada. Apenas olha.

- Você está pensando onde estão Jesus e o Espírito Santo. Bem, eles estão preparando uma festa surpresa pra mim. Você sabe, né? Hoje é Dia dos Pais.

Carlão continua em silêncio.

- Chega a ser engraçado, pois eu sei o que eles estão fazendo afinal de contas eu sei tudo, mas mesmo assim eu faço aquela cara de que estou surpreso mesmo não estando. Aí a gente dança, come carne maluca e toma suco e come um monte de brigadeiro. Aaahhh... eu adoro brigadeiro. Você gosta de brigadeiro?
- Eu...........................gosto?
- Você está me perguntando se você gosta? Claro que você gosta. Quem não gosta de brigadeiro.

Carlão começa a colocar os nervos no lugar. Então pergunta.

- O Senhor é um pouco diferente do que eu imaginava.
- Escuto muito isso.
- O Senhor me perdoe, mas eu ainda estou me acostumando a falar com o Todo Poderoso.
- Te perdoar? Eu já te perdoei lá atrás quando meu Filho morreu por vocês na cruz.
 - Verdade. Obrigado, Deus.
- De nada, meu filho.

De repente Carlão se lembra dela, sua Santinha. E se lembra dos meninos. E da menina, claro.

- Eles estão aqui também?
- Não. Ainda não.
- Nem a Santinha?
- Nem ela. Eu preciso que ela fique por lá mais um pouco. Ela ainda precisa terminar algumas tarefas que deixei para ela.  
- Quando eu a verei de novo?
- Em breve.

Carlão ameaça ficar triste, mas percebe que não consegue se entristecer mesmo sabendo que Santinha não está ali com ele. Ao contrário. Ele está muito feliz.

- Não há tristeza aqui. Nem lágrimas. O que impera aqui é a alegria, a felicidade.
- Wow. Eu me sinto muito feliz.
- Que bom.
- Deus, posso fazer uma pergunta?
- Não precisa. Eu sei o que irá perguntar. E a resposta é sim, você foi um ótimo pai. Deu algumas vaciladas, como qualquer outro ser humano, mas no geral fez muito bem o seu trabalho.

Carlão abre um enorme sorriso. Era tudo o que queria escutar. De repente o anjo Gabriel aparece.

- Todo Poderoso.
- Pois não.
- Sua presença é requisitada no salão principal.

Deus olha para Carlão e dá uma piscada.

- Oh, não. Aconteceu alguma coisa?
- Jesus não me disse, oh Todo Poderoso.
- Muito bem. Posso levar meu amigo Carlos comigo?
- Bem, acho que sim, afinal de contas o Senhor pode fazer o que o Senhor quiser.
- Hmm... Verdade. Carlos, vamos?

Deus levanta o braço e instantaneamente eles aparecem no salão principal e na entrada há uma faixa enorme com os seguintes dizeres: PAIZÃO DO ANO.

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Graças ao Paizão muitos ainda podem celebrar o Dia dos Pais ao lado dos homenageados. Outros muitos já perderam esse privilégio.

Se você faz parte do primeiro grupo... aproveite. Beije e abrace o seu velho. Diga o quanto o ama. E se a relação entre vocês não está boa, bem, quem sabe esse não é o momento de mudar as coisas?

Se você faz parte do segundo grupo, assim como eu, o que fica são as lembranças. Algumas boas, outras nem tanto. O que é mais do que normal, pois como dizem a vida não é feita somente de flores. Há também espinhos.

O legal da vida é que temos o privilégio de ter dois pais. Um terreno e outro celestial. Um que cuida de nós aqui na Terra. Outro que também cuida de nós aqui na Terra, mas que continuará cuidando da gente na eternidade.

Independentemente da sua situação, o meu mais sincero...


FELIZ DIA DOS PAIS










 

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Zeca


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Zeca e Pedro são best friends. Se conhecem desde os 8 anos de idade. Zeca já morava no bairro da Penha quando Pedro se mudou para lá. Ele nunca irá esquecer esse dia. Não por causa do Pedro e sim por causa da irmã dele, a garota mais linda que ele já tinha visto na vida. A vem da verdade é que ele não tinha visto muitas meninas, mas enfim... Ela estava usando um vestidinho rosa e na mão esquerda segurava um ursinho sujo, mas que ela não largava por nada.

- Credo, mano. Minha irmã tinha 6 anos e você já estava de olho nela.
- Fazer o que meu. Tenho uma queda por garotas em vestidos rosas. Kkkkkkkkkkkk

Os dois estão sentados na calçada em frente da casa de Pedro relembrando as histórias de quando eram crianças. Estão agora com 17 anos. É um sábado e acabam de chegar da quadra. O time deles perdeu para o time da rua de trás. A rivalidade é grande e como quase sempre acontece, Zeca começou uma briga no fim do jogo e Pedro teve que ir ao seu auxílio. Levou 2 socos fortes no estômago por causa do amigo.

- Meu, todo o jogo é a mesma coisa. Você precisa parar com isso.
- Num guento. Aqueles caras são muito folgados.
- Hmm.. mas hoje você não ficou nervosinho por causa deles não.
- Foi porque então?
- Foi por causa da minha irmã.

Zeca fica em silêncio. Não esperava por essa.

- Hiiiiiiiiiiiiiii... tá loucão. Que mané sua irmã o quê.
- Minha irmã sim. Pensa que não percebo a forma que você olha pra ela?
- Sai fora rapa.
- E qual o problema? Você não gosta dela?
- Claro que gosto. Mas como amiga.
- Só amiga? Aaaah conta outra.
- Só amiga sim. Não pode namorar irmã de amigo. Dá azar.
- Quem disse essa bobagem?
- Ninguém. Eeeeu to dizendo.

Os dois começam a falar sobre amigos, futebol, o final do filme Avengers – Infinity War, até que o assunto volta para as mulheres. O Zeca então pergunta:

- E você e a Cintia?
- Ah, estamos bem.
- Bem? Estão ótimos. Não se desgrudam.
- Verdade, né. Ela é demais. Acho que é pra casar.
- Casar?!?! Tá maluco mesmo, viu.
- Oxi. Eu gosto dela. Ela de mim. Depois da universidade a gente vai conversar com mais calma sobre casamento, filhos...
- Filhos???? Meu, o que você anda fumando?
- Nada. Eu não fumo.
- Mas parece. Que papo é esse de filho?
- Ah, meu. Eu não vejo a hora de ser pai.
- Mas você só tem 17 anos oh mula. Quer ser pai agora?
- Foi força de expressão. Não quero ser pai agora. Mas quero ser. E você? Não pensa nisso?
- Nunca. Jamais. Não quero ter filhos.
- Mas por que não?
- Dão muito trabalho. Tem que gastar um dinheirão. Você passa a noite acordado.
- Bem, geralmente é a mulher que passa a noite acordada.
- Sim, mas e os enjoos durante a gravidez. Você passa mal, fica vomitando toda hora.
- Que enjoo??? Kkkkkkkkkkkkkk... você é muito mané. Quem fica enjoada é a mulher e não o homem.
- Ah, sei lá. Quero isso pra mim não.
- Bem, eu sei que EU quero.
- Mas... você está se protegendo?
- Claro. Não quero ser pego de surpresa. E você?
- Mas é lógico. Como disse, não quero ser pai.

Os dois continuam conversando, mas agora o assunto é casamento, filhos, assistência médica, roupas para crianças, leite Ninho. A conversa vai até o início da noite. Pedro olha no relógio. Tá na hora do banho. Ele tem um encontro com a Cintia mais tarde. Se despede de Zeca, seu melhor amigo.

Na volta para casa Zeca se perde nos pensamentos sobre paternidade. Uma das razões para não querer ser pai é por achar que não será bom o suficiente. Para ele, ser pai é ser perfeito, e ele é consciente das suas imperfeições. Não quer criar um filho ou filha que seja como ele. E se ele não conseguir um emprego que pague bem? Como vai sustentar a criança? Zeca odeia ir ao hospital. E se tiver um filho e ter que passar dias, semanas até dentro de um? Não, definitivamente não. Never!

Ao chegar em casa liga para a namorada. Está morrendo de saudades, apesar de tê-la visto de manhã. Ele para um momento e fica olhando para o espelho enquanto pensa nela. Está apaixonado. Bem, sempre esteve, mas agora está mais. E o triste é que não pode falar para o seu melhor amigo. Não tem coragem.

Depois do banho se dirige até o local marcado. Ele está com a sua melhor roupa. O perfume é 212. Ele não ganha muito – faz um bico na lanchonete da escola – mas gosta de comprar e usar o melhor. Chega adiantado. Olha para o relógio. Onde ela está? Geralmente ela chega antes.

De repente alguém vem por trás, põe as mãos nos seus olhos e diz, “adivinha quem é?”. Ele não precisa adivinhar, pois só pelo cheiro suave ele sabe quem é. Se vira e beija quem não aguentava esperar mais.

Os dois então pegam as bicicletas e se dirigem ao parque da cidade que é grande e muito lindo. Zeca adora ir ao parque a noite por dois motivos. Motivo um: barraca de pastel da dona Meire. Motivo dois: seu melhor amigo não gosta de ir ao parque a noite.

Chegando lá deixam as bicicletas no bicicletário e vão dar uma volta a pé. Ele não pode deixar de notar no brilho e suavidade da pele de sua namorada.

- Wow.
- O que foi?
- Você está bonita hoje.
- Hoje??? Só hoje?
- Nããão. Quero dizer, sim. Você não entendeu. Eu quis dizer...
- Tudo bem, meu amor. To zoando com você.
- Besta. Eu quis dizer que você está, sei lá, mais irradiante.
- Eu me sinto mais irradiante.
- Sério? Mas por que?
- Depois eu te falo.

Os dois então continuam andando e param na barraca da dona Meire. Como sempre, Zeca pede o espacial. Não, vocês não leram errado. O nome é espacial mesmo, pois parece que o pastel veio de outro planeta. Um pastel espacial dá para duas ou até três pessoas, mas não peça para Zeca dividir o dele. Julia pede um pastel de pizza mesmo. Ela nunca conseguiria comer um espacial. Para acompanhamento, Zeca pede um caldo de cana com limão. Julia pede uma água.

- Água? Mas você adora caldo de cana.
- Sim, mas hoje eu vou de água mesmo.

Zeca põe a mão na testa da Julia como que desacreditando no que vê.

- Ok. Eu bebo por você.

Depois de uma noite agradável, os dois voltam pedalando para casa. Passam em frente a escola, a prefeitura, a igreja, o salão de festa do bairro e finalmente se aproximam de casa. Descem das bicicletas e começam a andar. De repente Zeca fica branco, pálido de medo. Ele puxa Julia pelo braço e os dois se escondem atrás de um muro. Julia não entende nada.

- Hey. O que você está fazendo?
- Shiiiiiiii!

Ela continua sem entender nada quando, passando vagarosamente pela rua, ela vê o carro do seu pai. Dentro estão Pedro e sua namorada. Agora Julia começa a entender.

- Até quando vamos fazer isso? Você não vai falar para o meu irmão que estamos juntos?
- Claro que vou.
- Mas quando?
- Semana que vem.
- Você sempre diz isso, mas essa tal de semana que vem nunca chega.
- Calma more.
- Calma nada. Eu acho isso um desaforo. Como assim não podemos falar com ele sobre nós?
- Já disse. Dá azar.
- Que baboseira. O meu irmão namora a irmã de um amigo dele. E eu não vejo azar algum nisso.
- Mas é aí que você se engana. O azar já começou.
- Como assim?
- Ele já está falando em se casar e...

Julia dá um tapa no braço do Zeca.

- E daí? Nós dois não vamos nos casar também?

Zeca, com os olhos arregalados, pergunta:

- Vamos?

Julia dá mais 3 tapas no braço do Zeca.

- Claro que vamos! Bem, você falou que vamos. Lembra?
- Claro que não lembro.

Zeca leva mais 2 tapas no braço.

- Mas tá longe ainda. Mas oh, não é só isso. Tem mais.
- Mais o que?
- Ele tá falando em filhos. Argh!!!! Aí já é demais. Isso não.
- Qual o problema? Você não quer filhos?
- Claro que não. Eu te disse. Lembra?
- Mas... mas, pensei que não estivesse falando sério.
- Pois estava.

Julia fecha o semblante do rosto e se afasta de Zeca. Ele percebe a mudança e a puxa para próximo dele novamente.

- Fica assim não, more.
- Mas você não quer ter filhos.
- Sim, não quero agora. Porém, quem sabe eu não mude de ideia.
- Será? Não sei. Eu te conheço. Quando põe algo na cabeça...
- Sim, sou teimoso mesmo. Mas se você fizer tanta questão de ter filhos, quem sabe eu não mude de ideia.

Julia sorri novamente. E junto com o sorriso volta o brilho irradiante.

- Wow. Os seus olhos estão brilhando. E muito.
- É que estou feliz. Você disse que pode mudar de ideia.
- Sim, e daí.
- E daí que tenho novidades.
- Legal. O que é? Passou na entrevista de emprego que fez semana passada?
- Não.
- Sua tia Sonia vem passar uns dias na sua casa? Você adora sua tia Sonia.
- Também não.
- Conseguiu passar na prova de inglês da Dreaming School?
- Sim, consegui, mas não é isso.
- O que é então?
- Zeca, tá preparado?
- Claro. Manda.
- Zeca, meu amor, PARABÉNS. Você será PAPAI.

Zeca segura os braços de Julia e fica estático, sem dizer uma palavra sequer por quase um minuto. Julia fica preocupada. De repente, Zeca solta os braços dela e começa a olhar para todos os lados. Enquanto isso as palavras PARABÉNS PAPAI continuam a ecoar incessantemente nos seus tímpanos. Ele olha para as estrelas, olha para o gramado e, do nada, as coisas começam a escurecer. Mais, e mais, e mais... até que ele cai desmaiado. Acorda no dia seguinte na casa da Julia. Aos poucos começa a retomar a consciência. Ele conhece esse quarto. Ao se levantar dá de frente com Pedro, que está com cara de poucos amigos.


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Muitos pais são 'planejados'. Outros simplesmente 'acontecem'. 

Bem, essa é uma homenagem aos apressadinhos, aqueles que não quiseram esperar. 

A todos esses, o meu...


PARABÉNS PAPAI







domingo, 5 de agosto de 2018

Paulinho


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É um dia especial para Paulinho. Ele acorda cedo e vai à padaria. Compra 5 pães, duas bisnagas, 250 gramas de muçarela, 250 gramas de presunto, requeijão, um bolo de chocolate, dois sonhos, duas broas, dois litros de leite e dois sucos de caixinha.

Na volta para casa, com duas sacolas na mão direita e uma na esquerda, se distrai com uma pipa que está caindo e esbarra na sua vizinha dona Maria, que com seu corpão acaba aliviando o choque. Paulinho solta a sacola onde estão os sonhos mais as caixas de leite que se esparramam pelo asfalto.

- Oh, Paulinho. Presta atenção. Está com a cabeça na lua?
- Me desculpe dona Maria. Eu não vi a senhora.
- Claro que não. Estava olhando para o céu. Estava literalmente com a cabeça nas nuvens.
- Desculpa mais uma vez dona Maria.
- Tudo bem. Deixe-me ajuda-lo a pegar as coisas.

Dona Maria tenta se abaixar para pegar uma das caixas de leite quando sente uma dor insuportável nas costas. “Não é possível”, ela pensa. “Acabei de chegar do hospital e pelo jeito terei que voltar.”

- A senhora tá bem?
- To sim. É só essas minhas costas que um dia ainda vai me matar.
- Qué que chame alguém?
- Sim. Quando passar perto de casa, peça para o Beto vir me buscar de carro. Diga que dei mal jeito nas costas. E peça para ele trazer a carteirinha do convênio. Muito provavelmente teremos que ir ao hospital.
- Sim, senhora.
- Hey, onde você vai?
- Chamar o Beto.
- Sim, mas e essas coisas no chão?
- Verdade.

Paulinho recolhe os dois sonhos e as caixas de leite do meio do asfalto, se despede de dona Maria com um abraço e volta para casa. Por um momento ele ficou distraído com a pipa e depois com dona Maria, mas é hora de voltar a realidade do dia de hoje.

Quando chega em casa estão todos ainda dormindo. Silêncio total. Com um largo sorriso ele tira as coisas da sacola e as coloca em cima da mesa. Faz uma nova recontagem e confirma que está tudo lá. Não esqueceu nada na padaria. Ou no asfalto. Olha para a pia e o sorriso some. Está uma verdadeira bagunça e ele não pode deixar daquele jeito. Pega o avental, o banquinho que está na varanda de casa e começa a lavar a louça.

Enquanto lava a louça ele olha, através da janela da cozinha que fica acima da pia, a pipa que tinha visto quando se esbarrou na barriga macia da dona Maria. Fica admirado com os movimentos da pipa. Aliás, ela não se movimenta. Ela dança. Uma dança hipnotizadora. Enquanto ele se imagina ao lado da pipa, os dois dançando graciosamente, ele deixa um copo escapar e cair no chão. De olhos fechados e em silêncio, fica na expectativa de alguém acordar com o barulho. Não escuta nada, a não ser o som ensurdecedor e irritante do ronco do seu tio. “Ótimo. Todos continuam dormindo”, pensa ele.

Acaba de lavar a louça e começa a etapa dois: varrer a casa. Ele não quer preparar o café da manhã com o chão da cozinha daquele jeito. E não pode simplesmente limpar uma parte da casa e deixar o resto sujo. Pega a vassoura, que dá dois dele, e começa a varrer. Olha para o relógio e já são quase 9 horas da manhã. Ele então começa a varrer mais depressa, pois logo o pessoal começará a acordar. Termina a operação vassoura em menos de 10 minutos. Vai então até a varanda pegar a pá, quando se lembra que ele e o seu irmão a quebraram no dia anterior enquanto brincavam de taco.

Ele olha para o monte de sujeira que está a sua frente. O que fará? Vem então a sua mente um dos desenhos do Tom e Jerry (o seu favorito). Se lembra que o Tom estava na mesma situação que ele. E o que Tom fez? Varreu a sujeira para debaixo do tapete. E é isso que Paulinho faz. O tapete fica com um volume que se parece com uma barriga. Paulinho torce para que ninguém perceba, ou melhor, que ninguém tropece na sujeira.

É hora de preparar a mesa. Coloca as sacolas na pia que agora está limpa, pega a toalha mais nova que encontra e forra a mesa. Depois abre o armário e pega os pratos. Ele tenta pegar 4 pratos simultaneamente, o que é pesado para ele, e com isso deixa cair um deles. O barulho dessa vez é mais alto do que quando deixou o copo cair. De novo ele fecha o olho e aguarda alguém aparecer na cozinha. Nada. Somente o som irritante do ronco do seu tio. Aliviado, continua a arrumar a mesa.

Depois de colocar tudo em ordem, é hora de tomar banho. Pega a toalha, sua cueca preferida (do Tom e Jerry), sua camisa e bermuda (também do Tom e Jerry), o sabonete (não, não é do Tom e Jerry), o xampu (esse sim é do Tom e Jerry) e se dirige ao banheiro. Precisa ficar bonito e cheiroso para esse dia tão especial. Esfrega os braços, as pernas, o bumbum e o pipi da forma como seu irmão ensinou. Passa o xampu no cabelo curto de fios finos. Começa a cantarolar Lembre de Mim, música tema do filme Viva – A vida é uma festa. Ele assistiu esse filme mais de 10 vezes e sempre se encanta com as músicas e as cores. Ah, e com o cachorro Dante que é uma figura a parte.

10 horas da manhã. Louça lavada, casa varrida, mesa posta, banho tomado. Vai até o quarto chamar o seu tio. Ele quer que todos participem desse momento. Com muito cuidado abre a porta e se aproxima da cama. Seu tio continua roncando. Paulinho carinhosamente passa a mão na sua cabeça e chama pelo seu nome. Nada. Seu tio continua a roncar. Ele tenta novamente, mas sem sucesso. Resolve então dar um soco no braço do seu tio que abre os olhos assustados e fixa o olhar para o teto. Paulinho está com medo. Parece estar num filme de terror. Agora o seu tio olha para ele, mas não fala nada. Depois de 30 segundos aterrorizantes, seu tio volta a fechar os olhos e começa a roncar novamente. Dessa vez mais alto. Paulinho aborta a missão. Sai correndo do quarto. Ele vai guardar um pedaço de bolo para o seu tio.

Se dirige até o quarto do seu irmão. Vagarosamente abre a porta. Não quer assusta-lo. Da ultima vez levou uma chinela na testa. Se aproxima da cama e puxa a coberta. Seu irmão está com a mesma roupa que saiu de casa a noite. Deve ter ficado fora até tarde da noite, o que não seria a primeira vez. Paulinho tenta acorda-lo, mas é inútil. Ele não está dormindo. Está apagado. Paulinho desiste. Assim como para o seu tio, irá guardar um pedaço de bolo para o seu irmão também. E broa. Ele adora broa.

Bem, é hora de acordar a pessoa mais importante. Ele vai até o quarto e a pessoa não está lá. Estranho. Deve estar no banheiro. Ele vai até o banheiro e também nada. Deve estar na sala. Se dirige a sala e nada. Paulinho começa a se preocupar. Será que tinha saído? Mas Paulinho não tinha ouvido o barulho do carro. “Deve ter saído enquanto eu estava na padaria”, pensa Paulinho. Era uma teoria plausível.

Ele está triste. Acordou mais cedo do que o habitual para ter tudo preparado para essa pessoa que ele tanto admira. Fica um tempo na sala, pensativo, cabisbaixo. Queria que hoje fosse um dia para ser lembrado, para ficar marcado. Levanta-se e vai em direção a cozinha. Está com fome, mas não vai comer, pois a pessoa que deveria estar lá não está. Paulinho está sozinho.

Ao chegar na cozinha, a tristeza é deixada de lado e um grande sorriso toma o seu lugar. Ele não acredita nos seus olhos. A pessoa está ali, sentada à mesa. Paulinho sai correndo e dá um grande e demorado abraçado nela, sua mãe.

- Mãããããããããe!!!!! Pensei que a senhora tinha saído. Fui no seu quarto e a senhora não estava lá.

Os olhos de dona Izilda se enchem de lágrimas. Ela olha para Paulinho com um olhar afetivo, amoroso, carinhoso. Puxa Paulinho mais uma vez para um outro abraço, agora seguido de vários beijos. Ela então solta Paulinho que imediatamente pergunta.

- Mãe, por que a senhora está chorando? Não gostou?
- Adorei. Foi você que arrumou a mesa?
- Sim.
- Sozinho?
- Sim.
- O seu tio não ajudou?
- Não. O tio só dorme. Dorme e ronca. E como ronca alto, né?

Ela dá risada. Ela conhece bem o ronco do seu irmão.

- E como ronca alto. Quando éramos adolescentes eu costumava dar uns tapas nele enquanto dormia para ver se parava de roncar.
- Funcionava?
- Não. Mas era gostoso dar uns tapas nele. Hahaha
- Posso dar uns tapas nele também?
- Claro... que não. Hahaha... ele é o seu tio. Não faça isso,
- Tá bom, mãe.

Ela então colocar Paulinho sentado à mesa, mas ele se esquiva.

- Você não vai sentar e tomar café comigo?
- Sim, mãe. Mas primeiro eu vou servir a senhora.

Paulinho então pergunta o que ela quer comer e serve sua mãe. Depois se senta à mesa, ao lado dela, e os dois então começam a tomar o café da manhã.

Izilda olha para pia e vê que está arrumada. Ela não se lembra de ter lavado louça ontem à noite.

- Você lavou a louça também?

Com um pedaço de pão na boca Paulinho responde que sim e acrescenta.

- E varri a casa também.

Dona Izilda olha para o tapete e sorri.

- É, eu percebi.

Paulinho espera que ela não tenha notado a sujeira debaixo do tapete. Enquanto comem, o seu tio aparece na cozinha. E logo depois o seu irmão se junta a eles e todos felizes tomam café e conversam.

Paulinho então pede licença para sair da mesa e vai até o seu quarto. Quando volta tem um papel em suas mãos escrito PARABÉNS!!! Ele chega perto de sua mãe e entrega o papel junto com uma caixinha. Sobe numa cadeira e então começa a falar.

Querida mamãe, sei que não tem sido fácil pra senhora. Desde o dia que o papai nos deixou, você tem trabalhado em dobro, tanto em casa quanto no serviço. E mesmo cansada a senhora sempre está com um sorriso do rosto. Nessa semana a professora falou que deveríamos homenagear nossos pais. Disse a ela que não tenho mais pai. Ela ficou triste, mas disse para ela não se preocupar porque agora eu tenho uma mãe-pai.

Pensei em comprar um presente pra senhora, pois você merece, mas como não trabalho ainda pois sou pequeno, pedi dinheiro para o meu tio e o meu irmão. Eles disseram que só dariam se eu limpasse o quarto deles. E eu fiz isso. A semana toda. Ontem eles me pagaram. O tio não queria pagar, mas eu briguei com ele e ele pagou. Peguei o dinheiro hoje de manhã e fui na padaria. Preparei esse café pra senhora porque todo dia a senhora prepara o café pra nós. Comprei o sonho e a broa, que assim como o meu irmão, a senhora tanto gosta.

Mãe, as vezes vejo a senhora chorando no seu quarto pela ausência do pai. Sei que a senhora queria que ele estivesse aqui. Eu também queria. Mas infelizmente não está e isso te entristece muito. Mas a senhora é tão fantástica que ao invés de ficar desanimada a senhora arranja forças para cuidar da casa, cuidar de nós e ainda trabalhar fora.

Mãe, saiba que EU TE AMO DEMAIS. A senhora pra mim é a minha mãe e também o meu pai. A senhora...

Paulinho não tem tempo de continuar falando aquilo que passou a semana inteira ensaiando. Sua mãe não deixa. Ela, chorando como criança, está em cima dele, beijando-o, abraçando-o, sufocando-o com amor e carinho.

Do lado deles, o tio de Paulinho e seu irmão estão de boca aberta. Não acreditam no que acabam de ouvir.

- Wow. Como que o Paulinho conseguiu falar tudo isso? Será que ele decorou ou falou tudo de improviso? Wow. Foi lindo demais. Que pena que não gravei.

O tio de Paulinho olha para o lado, esperando a resposta. O irmão de Paulinho está estático, com olhos lacrimejados. O tio insiste.

- E ae? Como será que o Paulinho conseguiu decorar tudo isso?
- Como ele fez isso eu não sei tio, mas que o meu irmão é zica, ah isso ele é.

O irmão de Paulinho está fazendo algo que dificilmente faz. Está chorando. Seu tio percebe e então diz.

- Que tal nos unirmos a eles?

Os dois então correm em direção da dona Izilda e Paulinho e juntos formam um grande e caloroso abraço.



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Essa história pode parecer um pouco estranha, uma vez que nessa semana celebramos o Dia dos Pais. Porém, ela não está fora do que acontece hoje em dia em muitos lares. Assim sendo...

Essa é uma singela homenagem as mulheres que hoje são não somente mães, mas também pais. Algumas porque a morte levou os seus maridos. Outras porque se separaram. Outras porque nem chegaram a se casar.

Não importa qual seja o caso. Todas precisam se desdobrar para cuidar de casa, dos filhos, do trabalho e ainda arranjar tempo para se cuidar. O que muitas vezes não acontece.

A essas mulheres os meus...


PARABÉNS MAMÃE-PAPAI!!!