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domingo, 31 de dezembro de 2017

Graças a Deus

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Marcela era uma mulher de fibra. A vida não tinha sido generosa com ela e por isso tudo o que tinha era fruto de trabalho e muito suor.

Nascida em uma família humilde do interior de São Paulo, teve que trabalhar desde cedo para ajudar os pais. Acordava cedo e ia dormir tarde. Seu Raimundo, pai de Marcela, não gostava de ver sua única filha naquela situação, porém não via outra solução. Sua mulher estava muito doente e não podia acompanha-lo no trabalho.

Crescendo nessa atmosfera, Marcela se tornou uma mulher responsável e dedicada a família. Não tinha tempo ruim para ela. Era, como se diz no popular, pau para toda obra. E não pensem que ela era uma pessoa triste por causa disso. Não senhor! Tinha orgulho dos seus pais e do lugar onde nasceu e cresceu, pois sabia que eles haviam feito tudo que podiam para dar a ela uma vida, senão cheia de glamour, digna.

Seu Raimundo não era uma pessoa muito religiosa. Dava para contar nos dedos da mão esquerda quantas vezes pisou numa igreja. Já dona Raimunda, [isso mesmo, você não leu errado], essa era crente, e das fervorosas. Tudo acontecia graças a Deus.

Marcela cresceu ouvindo aquela expressão e junto com a mãe, ia todos os domingos para a igreja, fizesse sol ou chuva (mais sol do que chuva, pois moravam num lugar que só perdia em quentura para o próprio inferno).

Todas os domingos elas andavam 2 quilômetros para chegar até a igreja. Levantavam bem cedo, com o galo cantando as primeiras notas do seu rito matinal. Tomavam café, quando havia, e juntas iam cantando hinos de adoração. No meio do caminho se juntavam a dona Severina e as três, graças a Deus, iam felizes para a Casa do Senhor.

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Marcela cresceu uma mulher de fibra, como descrito no início, e saiu do interior de São Paulo para morar na capital. Lá conheceu Paulo. Apesar da clara afinidade que os dois tinham, demorou até ele tomar coragem e convida-la a tomar um sorvete. Demorou mais ainda para o primeiro beijo. Já para o desabrochar da flor, se é que vocês me entendem, não demorou tanto. Porém, só aconteceu depois que os dois estavam devidamente casados, pois Marcela aprendeu na igreja que só podia conhecer Paulo, na sua total intimidade, depois do casamento.

Não com menos lutas, os dois conseguiram se estabilizar e resolveram buscar os pais de Marcela. Ela queria dar aos dois, nos anos finais de suas vidas, um momento de mais sossego e tranquilidade. Eles mereciam depois de tudo que passaram. E Paulo, mais do que imediatamente, aceitou a vinda deles, pois tinha-os em alta estima.

E assim aconteceu. Seu Raimundo não precisava mais madrugar para ir a até a carvoaria e dona Raimunda não precisava mais se deslocar até o ribeiro mais próximo (1,5 km de distância), equilibrando quilos de roupas na cabeça. Seu Raimundo agora passava o dia na praça, conversando com homens da sua idade, divagando sobre o passado e futuro (uma eleição para presidente estava próxima) e dona Raimunda estava encantada com um aparelho chamado TV. Passava horas vendo o programa de uma mulher que cozinhava muito bem, uma tal de Palmirinha.

Os anos passaram e Marcela e Paulo tiveram 3 filhos. Eles eram as joias da casa. Toda a atenção era para eles. Seu Raimundo não parava de adula-los. Levava-os para tudo que era canto: parques, zoológicos, cinema. Quando possível, ia com eles para sua cidade natal, no interior de São Paulo. Já dona Raimunda não parava de engorda-los. Sim, depois de assistir aos programas da Palmirinha, tomou gosto pela culinária, o que foi um achado delicioso para a família, principalmente para as crianças, pois dona Raimunda se especializou em fazer bolos e doces.

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Certa noite Marcela, depois de checar as crianças, estava indo para o seu quarto quando ouviu um barulho vindo do quarto. Abriu a porta e viu sua mãe com a mão no peito, gemendo de dor. Seu pai, que estava no banheiro, viu o que estava acontecendo e saiu correndo em direção da sua Raimunda. Ele colocou a cabeça dela em seus braços e em vão tentava falar com ela, perguntando o que estava acontecendo. Ela não podia falar. A dor era grande. Paulo e as crianças, acordados pela agitação, se juntaram a Paulo e Marcela e ficaram em volta de dona Raimunda. Todos apreensivos com a situação. De repente, a dor parecia ter passado. Dona Raimunda tirou a mão direita do peito e com ela começou a acariciar o rosto do seu Raimundo. Ele, homem cabra macho, nascido no interior do estado, filho de cearenses e lapidado pelas dificuldades da vida, começou a chorar como criança. Dona Raimunda então olhou bem para ele, piscou duas vezes de forma a acalma-lo e disse, “Está tudo bem.” E com essas últimas palavras, o sopro da vida a deixou.

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Alguns meses se passaram. Marcela estava mexendo nas coisas da sua mãe, revendo fotos que a remetiam a época da infância sofrida do interior. Em uma delas, sua mãe equilibrava uma trouxa de roupas. Ela teve uma mistura de riso com choro. Aquela foto era a expressão da força da sua mãe.

Enquanto remexia nas coisas, encontrou alguns papéis. Limpou as lágrimas para poder enxergar melhor. Não conhecia aquela letra. Não era uma letra bonita, aliás, era a letra de alguém semialfabetizado. Talvez algo que o seu filho mais velho tenha escrito. Leu com mais atenção. Foi quando percebeu de quem era.

Toda empolgada, foi até a sala e reuniu todos: Paulo, seu Raimundo e as crianças. Todos estavam muito curiosos. Ela então disse que iria ler uma carta. Todos ficaram em silêncio. Ela  limpou a garganta, algo típico de quem vai ler algo importante, e começou a leitura.

*Nota do autor: erros ortográficos e gramaticais foram deixados de fora. 




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Querida filha,

É com muita alegria no coração que escrevo esta humilde carta. Peço que ao lê-la, seja em voz alta e para toda a família.

Vocês devem estar se perguntando: ela sabe escrever??? Sim, eu sei. Não tão bem quanto você Marcela, ou o Paulo, ou como as crianças um dia irão escrever. Vocês encontrarão muitos erros nessas linhas, porém saibam que são palavras sinceras.

Bem, o que me motivou a escrever essa carta são as dores que tenho sentido ultimamente. Sei que são sinais de que o meu tempo aqui na Terra está acabando. Por isso quero deixar registrado o que penso.

Passei a noite buscando palavras para descrever o que sinto e cheguei a três palavras que fazem bem esse papel. Palavras que uso desde minha mocidade e que, pelo visto, irei usar também no final da minha velhice.

GRAÇAS A DEUS

Graças a Deus eu nasci, cresci, vivi.
Passei por momentos difíceis? Claro que sim. Porém não me arrependo e nem trocaria eles por nada, pois com eles aprendi muito. Mas há momentos bons também. Nem tudo foram espinhos. Tiveram flores também, muitas.

Graças a Deus conheci o seu pai.
Pensa num homem bruto. Mas é bruto por fora somente. Por dentro é um excelente marido e homem. Lá no interior, fez tudo para nos dar o melhor. Muitas vezes passou fome para que eu e você pudéssemos comer. Meu Deus, como eu amo esse homem. E sabe, das coisas que ele me deu, a mais preciosa é você Marcela.

Graças a Deus você conheceu o Paulo.
Gosto muito dele, viu? Ele é muito carinhoso com você e com as crianças. Você não poderia ter conhecido alguém melhor. O único senão é esse bigode dele. Ele podia tirar, né?

Graças a Deus eu ganhei mais três crianças, os meus netos.
Ah, que delícia de crianças. Amo cada uma delas intensamente. Desejo tudo do melhor para elas. Elas apareceram como um sopro novo nas nossas vidas. E não há nada que eu mais goste do que cozinhar para eles. Vê-los todos lambuzados, com a boca melada de chocolate é um prazer só.

Graças a Deus você nasceu.
Lembra quando disse que passamos por momentos difíceis? Quando fiquei grávida de você, seu pai ficou pistola. Ele achava que não tínhamos como ter um filho. E ele não estava errado. Era uma época complicada. Eu, porém, fiquei feliz, pois seria mãe. Quantas mulheres querem ser e não conseguem. Então você nasceu e fez uma baita diferença na nossa vida. Nos deu força para continuar; nos tirou do interior e nos trouxe para a cidade grande; nos fez parar de trabalhar; nos trata com todo carinho e amor; nos deu a oportunidade de, no fim da vida, curtir um pouco de sossego e conforto; nos deu três netos lindos; me deu a chance de estudar (eu não falei pra vocês, pois estava com vergonha, mas eu entrei no programa da prefeitura que ensina idosos a ler e escrever); entre outras milhares de coisas. Minha amada filha, você não tem ideia de quão orgulhosa eu estou de você, vê-la se tornar a mulher que é.

Bem, minha filha. E meu filho Paulo. (Pra mim você é filho e não genro). E meus netos. E meu Raimundo. Posso ir agora sem nenhum arrependimento ou tristeza no coração, pois tive o privilégio de conhecer e conviver com todos vocês.

Um beijo no coração de cada um de vocês.

E lembrem-se, tudo isso graças a Deus.

Raimunda,
esposa
mãe
avó



Marcela terminou de ler a carta. Olhou em volta e viu que todos choravam, menos as duas crianças menores. Elas ainda não entendiam o que tinha acabado de acontecer. Marcela entendia claramente, pois nutria por eles o mesmo sentimento que sua mãe.

Ela então reuniu todos a sua volta e, sem falar nada, apenas com um gesto, reuniu todos no centro da sala e se abraçaram. Um longo, demorado, abraço.



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Graças a Deus mais um ano se foi.

Graças a Deus mais um ano começa.

Desejo a todos um excelente 2018.

DEUS no controle

HAPPY 2018
  


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