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quarta-feira, 17 de junho de 2015

Sam, o mico-leão-dourado



Nããããããããããoooooooo !!!

3.45 da manhã. Tudo escuro. Olho para esquerda. Nada. Olho para direita. Nada. Olho para cima e para baixo. Nada. Onde estou? Tento me mover. Nada. Tento falar alguma coisa. Nada. Tento gritar. Nada. Como será que vim parar aqui?  Alguém acende a luz. Posso enxergar agora. Conheço aquela mesa. E aquela cadeira. E aquele laptop. Estou no meu laboratório. Olho para direita e vejo Sam, meu macaco de estimação. Sam é um mico leão-dourado. Amo aquele macaquinho. Ele é engraçado e sempre bem humorado. Tento dizer algo para ele. Nada. Não consigo pronunciar uma palavra sequer. O que sai da minha boca são apenas meia palavras. Sam olha pra mim. Percebo que sua boca está vermelha. Deve estar comendo as framboesas que sempre pego pra ele. Ele me olha fixamente. Me encara. Um olhar sério que não me lembro ter visto. Olho para sua mão. Tem alguma coisa ali. Brilhando. Parece ser uma... faca. Mais precisamente um bisturi. Sam está segurando um bisturi. O meu bisturi.

Um pouco mais cedo no mesmo dia...

O dia não foi dos piores. Recebemos a visita de um grupo de alunos de uma escola municipal que fica há 20 quilômetros de distância. Eles vieram num ônibus velho, caindo aos pedaços. Mas isso não importou em nada para aquelas crianças, pois tiveram o dia mais feliz da vida delas. Passaram o dia brincando com vários animais, principalmente com os macacos e com o gorila Tum Tum, que veio diretamente da Republica Democrática do Congo. Ele recebeu esse nome devido aos seus passos pesados, possíveis de serem detectados a metros de distância. Tum... Tum... Tum... Tum...

Trabalho num laboratório no meio da selva amazônica. Sou cientista com mais de 10 anos de experiência e estudos no campo neurológico. Tento desvendar o fascinante e complexo mundo dos neurônios. Sou fascinado por essa área desde os 10 anos de idade, quando assisti ao filme/documentário “Faces da Morte”. 
As imagens do documentário ainda estão vivas no meu córtex frontal. Lembro como se fosse hoje: um canibal que vive nas selvas da Ásia Central comendo o cérebro de um macaco. O engraçado era que o macaco estava vivo enquanto o homem fazia sua refeição noturna. Lembro dos meus amigos todos com cara de nojo. Uns chegaram até a vomitar. Não eu. Eu estava fascinado. O homem cortando o cérebro do pobre e inocente macaquinho e o mesmo ali, de olhos abertos e assustados. Como aquilo era possível?

A partir daquela cena resolvi estudar essa parte do corpo e descobri coisas incríveis:

1. O cérebro possui 160.000 quilômetros de veias sanguíneas, o suficiente para dar a volta na Terra quatro vezes;

2. Ele tem 100 bilhões de neurônios, as células conhecidas como a massa cinzenta que processa a informação;

3. 20% do oxigênio inalado pelo ser humano é usado pelo cérebro; 

4. Se o cérebro fosse um HD de computador ele teria 4 TB de informação;

5. Os homens processam primeiro a informação do lado esquerdo do cérebro. Já as mulheres fazem essa tarefa com os dois lados do cérebro simultaneamente;

6. A afirmação de que homens são racionais e mulheres são emocionais é verdadeira. Isso acontece porque as mulheres têm uma maior parte do sistema límbico, que controla as emoções. Porém, os homens têm uma porção maior da parte inferior, responsável por controlar as habilidades de cálculos.

7. Quando o cérebro sofre algum dano acidental, podem acontecer síndromes que levam o ser humano a ouvir grandes explosões, pensar que tem mais membros do que realmente tem e ficar incapaz de mover os membros quando acorda. Isso acontece porque o cérebro ainda está em repouso.

8. A idéia de que humanos usam apenas 10% do cérebro é mito. Toda parte do cérebro tem uma função e trabalha o tempo todo.

9. O cérebro é dividido em dois hemisférios. Enquanto o esquerdo controla os pensamentos analíticos, o direito coordena os pensamentos criativos.

10. Aprender uma segunda língua antes dos 5 anos pode mudar o desenvolvimento do cérebro para o resto da vida. As crianças adquirem a capacidade de desenvolver mais massa cinzenta quando alcançam a idade adulta.


Mas não pense que minha jornada até o estudo do cérebro foi fácil. Para poder fazer um curso específico de Neurociência (ramo da ciência ou conjunto de conhecimentos que se refere ao sistema nervoso) me formei primeiro em Medicina (conjunto de conhecimentos relativos à manutenção da saúde, bem como a prevenção, tratamento e cura das doenças, traumatismos e infecções) e depois estudei Psicologia (ciência que trata dos estados e processos mentais, do comportamento do ser humano e de suas interações com um ambiente físico e mental). Com esse conhecimento prévio, fiz um curso de pós-graduação em Neurociência na Universidade de São Paulo.  

Foram anos árduos de muito esforço físico e mental. Dias e noites em claro, buscando entender o relacionamento do cérebro com o sistema nervoso. Mas valeu a pena. Depois de conseguir boas notas, fui patrocinado por um gigante do ramo farmacêutico e juntos fincamos um laboratório no meio da Amazônia selvagem. Não foi fácil conseguir a papelada devido à grande burocracia que empaca nosso país, mas depois de quase um ano nosso laboratório saiu do papel, assim como minhas idéias.

Comecei meus estudos sozinho. Confesso que foi assustador no inicio. Principalmente à noite quando você ouve sons, mas não consegue saber o que está emitindo aquele som. A pior parte é ficar imaginando se o animal é pequeno ou grande, inofensivo ou perigoso. Eu particularmente não tenho medo de animais. Porem há um que me dá calafrios: cobras. E na nossa floresta há cobras dos mais variados tamanhos e cores. Felizmente, nunca fui picado por uma venenosa. Fui uma vez surpreendido por uma que estava escondida na cozinha. Chegou a me picar, mas não era peçonhenta. Passado o susto, fui me acostumando com os sons.


Trabalho com muitos animais, o que é bom e ruim. Bom porque tenho o prazer de presenciar todo o poder do Criador. São animais lindos. Exóticos. Por exemplo: onça pintada, arara-canindé, mariposa atlas, garça real, araçari-castanho, entre outros. Mas o meu animal preferido e objeto dos meus estudos é o macaco. E podemos encontrar as mais variadas espécies: macacos-da-noite, guaribas, macacos-aranha, macacos-pregos, sagüis, micos-leões, macacos-de-cheiro, etc. O trabalho se torna ruim quando preciso sacrificar alguns macacos. Faço isso para estudar o cérebro. E nesse caso o animal que tem o cérebro mais próximo ao nosso é o macaco. Nunca gostei de fazer isso, mas sempre que preciso passar por esse momento, penso no bem maior que está sendo feito em prol da humanidade. Assim fico com a consciência menos pesada.

As crianças foram embora. Os meus assistentes também. Estou sozinho. Quer dizer, mais ou menos. Meus amigos animais estão comigo. Sam está lá fora. Aliás, há horas que não o vejo. Deve estar namorando. Antes de tomar banho, dou uma olhada nos meus e-mails e também checo se alguém postou algo novo no Facebook. 2 mensagens da minha mãe e nenhum pedido de amizade. Por que ninguém quer ser meu amigo? Olho para o relógio. Quase meia noite. Preciso comer. Abro a mini geladeira e pego o pedaço de pizza que compramos ontem para celebrar meu aniversário. Pego também o que sobrou de uma garrafa de coca. Começo a me deliciar com a pizza do dia anterior e coca sem gás quando escuto: Tum... Tum... Tum... Tum... Será que Tum Tum escapou? Um dos meus assistentes, muito provavelmente o Caio, esqueceu de fechar a jaula. Penso em sair para ver o que está acontecendo. Não é mais preciso. Tum Tum está dentro do laboratório.

- Boa noite, Doutor.

Não acredito no que acabo de ouvir. Tum Tum falou.

- Boa noite, Doutor.

Ele repete a frase. E eu continuo não acreditando. Como assim Tum Tum está falando? Ele é um gorila. Macacos não falam (a não ser os que estrelam o filme Planeta dos Macacos). Deve ser a pizza. Ou a coca sem gás. Cuspo o pedaço de pizza da boca e jogo a coca fora.

- Não vai responder, Doutor?

Tum Tum faz uma cara de mau. Melhor responder.

- Bo... bo... boa noite... Tum Tum.

- Pensando bem, Doutor. Boa noite para mim. E não tão boa para você.

- Como assim?

- O doutor logo verá.

Tum Tum se aproxima e sem nenhum aviso me dá um soco. Desmaio instantaneamente.



3.45 da manhã. Hora atual.


- Olá, Doutor.

Sam, meu mico leão-dourado, tem uma bela voz. Mas soa um pouco que sinistra. Do meu lado está Tum Tum. Do outro lado, macacos que estavam enjaulados. Na minha frente, Sam.

- Dormiu bem?

- Sam, o que está acontecendo aqui?

- Eu odeio quando respondem uma pergunta com outra pergunta.

Sam me dá um soco no estômago. Fico sem ar por 10 segundos. Nunca imaginei na minha vida que um soco de um mico leão-dourado doesse tanto.

- Perguntei se você dormiu bem.

- Sim, Sam, sim. Eu devo estar maluco. Estou conversando com um macaco.

- Está maluco não, doutor. Agora, pergunte se eu dormi bem.

- O quê?

Levo outro soco no estômago. Agora seguido por um no rosto.

- EU DISSE PARA PERGUNTAR SE EU DORMI BEM !!! ODEIO REPETIR !!!

- Ok... ok... Você dormiu bem???

- Não. Eu não durmo bem desde que cheguei aqui.

- Como assim? Sempre te tratei bem.

- Exatamente. Sempre me tratou bem. Mas e os outros macacos??? Quantos o doutor matou? Quantos não sacrificou em nome da Ciência? Eu sinceramente não me lembro. Perdi a conta de quantos amigos perdi.

- Mas Sam, faz parte do meu trabalho.

- O doutor sente prazer nisso?

- O quê?

Mais um soco no estômago.

- EU PERGUNTEI SE VOCÊ SENTE PRAZER EM MATAR OS MEU AMIGOS, MEUS IRMÃOS PRIMATAS???

- NÃO. CLARO QUE NÃO.

- E PORQUE O FAZ?

A conversa está tensa. Posso ver o ódio nos olhos do Sam. Falta pouco para ele enfiar aquele bisturi na minha barriga. Preciso tomar cuidado com as palavras. E com o tom da minha voz.

- Sam, sinto muito. Gostaria que fosse diferente, mas eu precisava... preciso estudar o cérebro para tentar entender como o nosso cérebro, o do ser humano, funciona. Eu nunca senti prazer algum nisso. Aliás, essa sempre foi e sempre será a pior parte do meu trabalho.

- Mas não teria como fazer o seu estudo SEM TER QUE MATAR MEUS POBRES AMIGOS ???

- Não. Infelizmente.

- Ok. Ok. Bem, essa conversa todo me deu uma fome. O doutor está com fome?

- O quê?

Dessa vez não tomo um soco. Porém Sam coloca o bisturi próximo a minha garganta. E pergunta novamente.

- Está com fome???

- Sim.

- Pois bem. Eu trouxe algo para você degustar. Tum Tum. Traga o prato com a iguaria.

Tum Tum se aproxima com uma bandeja e nela consigo ver uma pequena quantidade de massa de cor cinza misturada com vermelho. Sam pega um pouco da massa com uma colher e tenta colocar na minha boca. Reluto. Levo outro soco. Sam força a massa muito gosmenta na minha boca. No começo o gosto é amargo, mas depois de uns segundos fica doce. E gostoso. Na verdade, gostoso até demais.

- Hmmmmm.... Não é tão ruim. O que é isso?

- Segredo. Quer mais um pouco?

- Sim.

Sam coloca mais um pouco na minha boca e como criança eu vou comendo tudo. Lambendo até os beiços. Olho para a bandeja e vejo que acabou a tal massa gosmenta. Fico triste. Nunca havia comido algo tão diferente e tão saboroso. Pergunto então se há mais daquela massa.

- O doutor quer mais, então?

- Quero. É muito gostoso isso.

- Ok. Vou preparar mais um pouco. Só um segundo. Já volto.

Sam sai e quando volta trás com ele um espelho grande que temos no laboratório.

- Para que esse espelho.

- Você não quer saber o que é está comendo?

- Sim.

- Pois bem. Tum Tum, please.

Tum Tum pega o espelho e coloca na minha frente. É quando eu tenho noção real do que está acontecendo. Estou totalmente amarrado e sobre minha cabeça está Sam. E com ele o bisturi. Ele então gentilmente começa a mexer o topo da minha cabeça e retira o meu coro cabeludo, deixando exposto o meu cérebro.

- OH MEU DEUS. O QUE É ISSO? OH MEU DEUS !!!

- Isso, DOUTOR, é o seu cérebro.

- O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?

- Ora. Preparando o jantar.

Sam, então, pega o bisturi e enfia no meu cérebro. O sangue escorre por minha testa. Ele tira um pedaço e dá para Tum Tum que ligeiramente põe na boca e lambendo os beiços diz:

- Hmmmm... quase tão bom quanto banana.

Fico alucinado. Quero fugir mas não consigo.

- EU VOU TE MATAR SAM. EU VOU...

- Vai me matar como matou meus amigos???

Sam corta mais um pedaço do meu cérebro e então perco a fala. Grito loucamente, mas não sai um som sequer. Pelo espelho, vejo os dois se alimentando do meu CÉREBRO.

- Hmmmm... que delícia, doutor. Depois do cérebro acho que vou pegar um pedaço do nariz. E depois uma orelha. E depois de acabar com a sua cabeça, a gente vai para os braços, o peito. Hmmmm... Pensando melhor, deixa eu pegar agora um pedaço da orelha. Parece apetitosa.

- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOO !!!!





Esse relato, caro amigo leitor, não aconteceu. Pode ficar sossegado. Eu estou bem. E inteiro. O que escrevi foi um sonho que tive e que me fez acordar sem fôlego e com o coração disparado. Eu tive o que os cientistas chamam de paralisia do sono. Eu acordei e por alguns segundos não consegui me mexer. Lembro que tentei gritar, mas não saiu um som sequer. Fiquei apavorado. Foi uma sensação horrível e espero não vivenciá-la novamente.


Espero de coração que você nunca passe por isso. Mas preciso alertá-lo: estudos mostram que a maioria das pessoas irá, em algum momento da vida, passar por essa terrível experiência. Se você já passou, sabe do que estou falando. Se você ainda não, prepare-se. O negócio é feio. 

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