Era
o dia mais feliz da sua vida. Ela não sabia como reagir. Ela não sabia o que
fazer. Porém, uma coisa ela sabia: era o dia mais feliz da sua vida. Eu sei.
Escrevi que era o dia mais feliz da sua vida duas vezes. Agora, três. Vale a
repetição, porque era o dia mais feliz da... bem, vocês já sabem.
Levantou-se
cedo e foi até ao mercado mais próximo, que ficava a 4 kms de distância. Foi
andando, pois sua irmã pegou a bicicleta para ir para a escola. Normalmente iria
reclamar, pois os dias eram muito quentes e andar debaixo do sol por tanto tempo
não é cômodo nem fácil. Porém, hoje era um dia diferente. Valeria a pena.
Chegando
ao mercado, separou todos os ingredientes para o prato principal e sobremesas. Isso
mesmo. Sobremesas no plural. Ela iria fazer 4 tipos diferentes. Queria impressionar.
E tudo tinha que ser fresquinho. Fez questão de escolher tudo criteriosamente.
Toda
essa empolgação tinha um porquê. Ficou sabendo pelo seu irmão que ele chegaria
no fim da tarde. Não, não estou falando do irmão dela e sim do convidado
especial que chegaria com ele. Na verdade mais do que especial. Ele havia
prometido a muito que iria visitá-los e finalmente o dia havia chegado.
A
casa era pequena e simples, mas como ficava numa região montanhosa, havia muito
pó, muita poeira e muito cocô de animais. Eles tinham cabras, ovelhas,
cachorros, porcos... todos vivendo harmoniosamente. É claro que de vez em quando
havia um pequeno arranca rabo, mas nada letal. Ela gostava de todos os animais.
O problema era o cheiro que deixavam na casa.
Foi
até a janela da sala e olhou para o céu. Ele continuava quente, límpido,
azulado e agora com algumas nuvens. Pela posição do sol, deveria ser meio-dia. Olhou
para casa e percebeu que, apesar de ter levantado cedo e a casa não ser tão
grande, ainda estava no início da limpeza. Uma pontinha de nervosismo e
ansiedade começavam a despontar e aos poucos iam aumentando uma vez que ela se
lembrou que sua irmã não estava ali para ajudá-la.
Passou
então a varrer com mais pressa, pois queria que tudo estivesse limpo e
brilhando quando ele chegasse. E enquanto varria pensava no que falaria, ou no
que perguntaria. Não queria soar uma pessoa evasiva nem efusiva. Para isso ia
formulando as perguntas e frases na cabeça enquanto a vassoura ia de um lado
para outro. Era uma oportunidade única e ela não iria perder por nada.
O
sol ia perdendo sua força. Já era quase o fim da tarde e ela estava tirando o
pó dos móveis. Estava feliz pois era uma das últimas etapas da limpeza, mas ao
olhar para a mesa teve o sorriso definhado. Não havia começado a cozinhar ainda
e sabia que levaria algum tempo até preparar tudo. Será que teria tempo?
Parou
de tirar o pó e decidiu que iria começar a cozinhar. Não iria perder nem mais
um minuto. Colocou sua toquinha de cozinheira e o avental que ganhou na última
temporada Masterchef das Montanhas e começou a lavar os ingredientes. Apesar
de estarem frescos, estavam sujos devido a longa caminhada do mercado até sua
casa.
Enquanto
descascava as batatas, ouviu um som que parecia de pessoas conversando e rindo.
Não podia ser. Será que já haviam chegado? Mas ela não tinha acabado de
cozinhar ainda. Ficou nervosa consigo mesma e com sua irmã. Por que ela não
havia chegado ainda? Ela poderia ter ajudado e muito.
Enquanto
estava perdida pensando nas mais diversas maneiras que iria utilizar para esfolá-la,
seu irmão entrou na cozinha. E com um sorriso enorme no rosto dirigiu a palavra
a ela.
-
Querida irmã. Chegamos! Demorou, mas aqui estamos.
-
Por que demoraram tanto?
-
Pegamos um engarrafamento de lhamas. Só por Deus.
-
Opa! Alguém me chamou?
Ali
estava ele. Não era necessariamente um homem bonito, mas suas vestes eram
brancas como a neve, o que era um mistério, pois a região era montanhosa e com
muito pó, e ele tinha um sorriso tão puro, sincero e cativante. Ela imediatamente
se sentiu bem.
-
O senhor veio.
-
Eu disse que viria. Eu sempre cumpro o que prometo.
Ela
não sabia o motivo, mas começou a chorar. Mas não era um choro de tristeza ou sofrimento.
Era um choro de alegria, de alívio, de paz até. Começou a andar na direção dele
quando de repente, do nada, ela apareceu.
-
Irmãããããã. Que saudades. Sentiu minha falta?
Ali
estava ela, sua irmã caçula. Com um sorriso de orelha a orelha, estava com os
braços abertos, pronta para receber um abraço.
-
VOCÊ??? ONDE ESTAVA??? Estou aqui sozinha, arrumando a casa e cozinhando.
-
Eu fui com nosso irmão buscá-lo.
Ela
vira e aponta para o convidado especial.
-
Mas... e a escola?
-
Ah, eu reponho essa aula semana que vem.
-
E não pensou em ficar em casa e me ajudar?
-
Até pensei, viu. Mas entre limpar a casa e estar com ele no caminho, conversando,
bem... eu fiquei com a segunda opção.
Ela
sentiu um ódio subir pela sua espinha. Não acreditava no que estava ouvindo. Queria
muito pegar a vassoura que estava encostada na parede e dar na cabeça da sua
irmã. Que audácia a dela. Deixar todo o trabalho de casa com ela.
-
O nosso irmão disse que chamou você também, mas que você preferiu ficar em
casa, arrumando e preparando a janta.
-
Claro. Não iria receber nossa visita com a casa daquele jeito.
-
Pois é. Mas parece que não adiantou muito, né?
E
falando isso começou a rir. Ela ficou mais furiosa ainda. Pegou a vassoura e
ameaçou correr atrás da sua irmã. Foi quando sentiu alguém tocando seu ombro. Imediatamente
o ódio se dissipou. Ela se virou e lá estava ele, novamente com aquele sorriso
irradiante.
-
Não há necessidade disso. Nós fazemos escolhas. Você fez a sua e sua irmã fez a
dela.
-
Mas... mas...
O
irmão que via tudo atônito, com uma vergonha absurda das irmãs e ao mesmo tempo
rindo por dentro daquela situação, pediu para o convidado especial segui-lo até
a sala. Haviam conversado a viagem toda, mas ele ainda tinha muitas perguntas a
fazer. Muitas dúvidas a esclarecer.
O
convidado o acompanhou e, junto com sua irmã caçula, foram para a sala. Sua outra
irmã pediu desculpas e disse que iria se juntar a eles depois que cozinhasse.
-
Não, minha irmã. Junte-se a nós agora.
-
Não, eu preciso terminar aqui. E... droga!
-
O que foi?
-
Não terminei de tirar o pó dos móveis da sala.
-
Meu Deus, mulher. Não se preocupe com isso agora. Depois você faz isso.
-
Não, não. Preciso terminar aqui.
-
Bem, você que sabe. Estaremos na sala.
Eles
foram para sala e ela continuou na cozinha. Pegou o livro de receitas e começou
a preparar as sobremesas. Enquanto cozinhava, ouvia o que o convidado especial falava.
Ele parecia ser muito sábio. Ela podia ouvir também a voz da sua irmã caçula. Que
inveja dela. Queria estar na sala também. Mas primeiro precisava terminar o
jantar. Para ela, isso era o mais importante.
O
tempo foi passando e ela deixou de ouvir a voz do convidado especial. Agora só
ouvia sua irmã caçula e seu irmão mais velho conversando. Estranhou a situação
e resolveu checar o que estava acontecendo.
Ao
chegar na sala, percebeu que não podia ouvir mais a voz do convidado especial
pela simples razão de que ele não estava mais lá. Havia partido. Seu irmão informou
que um rapaz veio chamá-lo. Era uma situação de vida e morte.
-
Ele pediu para agradecê-la. Sabe que o seu dia foi puxado. Sabe que você
acordou cedo para arrumar a casa e cozinhar. Aliás, ele agradeceu por ter
cozinhado 4 tipos de sobremesas diferentes.
-
O quê? Como ele sabia de tudo isso? Eu não falei pra ninguém.
-
Eu não sei como, irmã. Só sei que ele tem esse dom de saber tudo o que está
acontecendo. É incrível.
Ela
sorriu, mas foi por pouco tempo. Se entristeceu novamente.
-
Eu tinha tanta coisa para perguntar pra ele.
-
Ele disse que você falaria isso.
-
Disse???
-
Disse. E pediu para você não se preocupar. Disse que precisava partir, mas que
um dia irá voltar.
-
Disse quando?
-
Ele não sabe. Falou que só o pai dele que sabe.
A
irmã caçula observava tudo. Percebeu a tristeza no olhar e no rosto da sua irmã
e, caminhando até ela, deu um abraço carinhoso e demorado.
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Fim de ano é um momento singular.
As pessoas usam o dinheiro extra para pintar a casa, comprar
roupa, móveis e eletrônicos novos.
Elas fazem a lista de convidados e, com elas em mãos,
têm ideia do que precisam comprar para a ceia de Natal e Ano Novo.
Elas passam o dia no supermercado.
Elas passam o dia limpando a casa.
Elas passam o dia cozinhando.
Tudo isso é valido e faz parte.
Porém...
Desejo que você escolha o que a irmã caçula escolheu:
Passar tempo com as pessoas.
Conversando, rindo, jogando conversa fora.
O que você irá fazer é uma escolha sua.
E espero de coração que você escolha o melhor:
ESTAR PERTO!!!
HAPPY 2020