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domingo, 23 de dezembro de 2018

Fica mais um pouco!!!



Estão todos reunidos no restaurante mais badalado da cidade. A mãe limpa a baba do caçula da família enquanto o pai dá uma olhada atenta e demorada no menu.

Todos os anos eles celebram o Natal nesse mesmo local. Declinam os vários convites que recebem de amigos e parentes. Gostariam até de participar, mas a tradição não pode ser quebrada.  

O pai pensa no que irá pedir enquanto a filha mais velha ajuda a mãe com o seu irmão caçula. Na mesa ao lado um casal conversa sobre os planos do próximo ano. Onde irão morar, quais móveis irão comprar...

Numa mesa não muito distante, alguns amigos estão reunidos para o tão famoso amigo secreto. Há vários presentes na mesa. Um embrulho mais bonito que o outro. E um maior que o outro.

Perto da porta, o dono passa os olhos por todo o restaurante. Não consegue esconder o sorriso de satisfação. Esse é um dos momentos mais importantes do ano. O restaurante sempre fica cheio.

O pai finalmente escolhe o que irão comer. Como teve um excelente aumento no ano, resolve pedir o prato mais caro junto com a garrafa de vinho mais velha e, por conseguinte, a mais cara.

O casal ainda não decidiu o que irão pedir. Ela não quer gastar muito, pois está pensando no jogo de quarto. Ele, porém, quer experimentar a lagosta. O seu amigo disse que é deliciosa.

Um dos amigos da mesa secreta parece ter bebido um pouco a mais da conta e decide começar a cantar. Pelo jeito outros estão bêbados também porque se juntam a ele e, de pé, dançam e cantam entusiasticamente.

O dono pensa em intervir, mas lembra que o pessoal da mesa está pagando um valor exorbitante e ele não quer diminuir a alegria deles. E nem o valor final da conta.

Na cozinha o chef grita desesperadamente com os seus ajudantes. Quer que todos os pratos saiam de forma perfeita. Ele tem uma reputação a zelar e não quer arruína-la num dia tão especial.

Noite especial merece decoração especial. O restaurante está envolto em vermelho e branco. O dono gostaria de ter usado verde e branco em alusão ao seu time de coração, mas sua esposa o fez mudar de ideia.

O restaurante é bonito e fica localizado numa área nobre da cidade, mas hoje está muito mais preponderante. “Valeu a pena o gasto alto pela decoração”, pensa o dono.

Um dos ajudantes está em corpo presente, porém a mente está longe dali. Ele está pensando em sua família que mora na Bahia e como ele gostaria de estar com eles agora. Entretanto sabe que precisa do emprego.

O irmão mais caçula começa a chorar. A mãe o pega no colo e o leva até o banheiro. O pai, indiferente a situação, degusta do vinho mais caro do restaurante. Ele nunca havia bebido vinho tão encorpado e saboroso.

A menina, irmã do caçula, se levanta e vai até a mesa onde os amigos estão cantando e dançando. Ela gosta do que vê. Um dos rapazes sorri pra ela e ela timidamente sorri de volta. Ela então volta para sua mesa.

Não muito distante dali um outro menino também tem uma visão geral do restaurante. Bem, na verdade é uma visão periférica, pois do lado de fora e pela janela não dá para ver muita coisa.

Ele não consegue deixar de sentir um pouco de inveja do que vê. As pessoas parecem estar felizes e bem acomodadas e melhor, estão comendo e bebendo, algo que ele não faz há dois dias.

O menino começa a pensar nos seus pais. Ele não sabe onde eles estão. Foram levados pela polícia, mas ele conseguiu escapar pois estava dormindo numa caixa do outro lado do viaduto.

Ele está com saudades da sua mãe. Vendo aquela mulher com a criança no colo o faz lembrar de sua infância. Ele se lembra que quando chorava sua mãe o abraçava carinhosamente e a tristeza e dor passavam.

Perdido nos seus pensamentos ele percebe que um homem se coloca ao seu lado. Ele não é alto nem baixo, tem cabelos e barba longos. Apesar da aparência diferente, ele transparece paz.

Uma das moças da mesa do amigo secreto começa a vomitar. É sua primeira vez bebendo. Ela pensa que pode acompanhar os amigos, beberreiros de longa data, e aprende da pior maneira que não possível.

O dono vai ao seu socorro. Por dentro está furioso, pois a moça sujou grande parte do chão e mesa, porém por fora ele demonstra paciência e leva a moça até o banheiro para que ela possa se limpar.

Apesar da situação, os outros amigos continuam comendo, bebendo, contando piadas, bebendo, cantando, bebendo, dançando e bebendo mais um pouco. Não é sempre que eles têm essa oportunidade.

O menino que está do lado de fora gostaria muito de estar do lado de dentro. Ele imagina seus pais ali com ele. Iriam fazer a festa. Olha para o lado e pensa que o homem barbudo poderia estar com eles também.


- Realmente! Eu poderia estar com vocês.


O menino olha para o lado. O homem barbudo está falando com ele. Será que ele consegue ler pensamentos? Será que ele possui poderes mágicos? Será que ele é algum tipo de bruxo?


- O senhor está lendo os meus pensamentos?
- Me perdoe. Eu não consigo evitar.
- O senhor consegue ler os pensamentos de todas as pessoas?
- Sim!!!
- Wow!!! O que estou pensando agora?
- Que sou um lunático.
- Wow!!!


Enquanto discutem os poderes do homem barbudo, o dono do restaurante aparece e começa a olhar para os dois que estão parados em frente a janela. O dono então delicadamente começa a falar.


- CAIAM FORA DAQUI SEUS VAGABUNDOS!!!
- Mas... mas...
- NADA DE MAS. SUMAM DAQUI.
- O senhor não poderia nos dar um pouco de comida?
- QUE MANÉ DAR COMIDA. VAI ARRANJAR UM TRABALHO.
- Meu senhor, não há necessidade de gritar com o garoto.


O dono do restaurante fica imóvel. A voz daquele homem barbudo mexe com ele. Ele nunca tinha ouvido voz tão suave e ao mesmo tempo tão poderosa. Ele imediatamente para de gritar.


- Por favor. Retirem-se daqui. Vocês estão afugentando os clientes.


O homem barbudo coloca a mão no ombro do dono do restaurante. O homem então começa a chorar. Ele não sabe o porquê do choro, mas não consegue segurar as lágrimas. Parece mais um choro de alívio.


- Ok, meu bom homem. Estamos saindo daqui.
- Mas eu não quero ir – protesta o menino.
- Vamos, meu jovem rapaz.

Eles então vão embora. O dono do restaurante fica meditando sobre o que tinha acabado de acontecer. O toque daquele homem barbudo tinha, de alguma forma, mudado o seu espírito. Ele então volta para dentro.

Enquanto caminham pela calçada, o menino não pôde deixar de reparar como o homem barbudo tinha mudado o temperamento do dono do restaurante. E tudo mudou depois do toque dele.


- Wow. Aquilo foi incrível.
- O quê?
- A forma como o senhor lidou com a situação.
- Ah, aquilo? Não foi nada.
- Aquilo foi tudo. O homem estava nervoso e de repente ficou calmo, educado até. E tudo com um toque.
- É. O meu toque tem esse poder. Quem se deixa tocar por ele...
- Isso tudo foi legal, mas não mudou uma coisa.
- O que?
- Eu continuo com fome.


O homem barbudo parou e olhou para o menino. Ele estava  com um olhar de compaixão. O menino já tinha visto aquele olhar muitas vezes na sua mãe. Será que ele era a sua mãe?


- Não, eu não sou sua mãe.
- Wow. Você fez de novo. Leu o meu pensamento.
- Sim, eu fiz. Agora, me acompanhe.
- Para onde estamos indo?
- Você verá.


Os dois descem a rua. Estão andando por meia hora. A fome do menino só aumenta. Sua barriga começa a fazer sons engraçados. O menino para de andar. O homem barbudo percebe e então pergunta:


- O que foi, Marcos? Por que parou?
- Eu parei porque estou com fome. Eu quero... pera aí. Eu não te disse meu nome. Como sabe que me chamo Marcos?
- Eu sei muita coisa sobre você. Você é filho de José e Maria e mora na rua com eles. Há dois dias eles foram levados pela polícia e agora você está sozinho na rua, tentando sobreviver.
- Wow. Isso mesmo. Como o senhor sabe de tudo isso?
- Eu apenas sei.


Depois dessa resposta enigmática os dois continuam a descer a rua. O homem barbudo começa assobiar enquanto o menino não vê a hora de chegar ao destino. Ele quer muito comer.


- Está com muita fome, não é mesmo?
- Demais.
- Fique tranquilo. Onde vamos há muita comida.
- Hmmm... não vejo a hora de comer frango, pernil, arroz de forno, salada de maionese, arroz com uva passa, lasanha.
- Bem, onde vamos não tem isso não.
- Nãããão?!?!? O que tem, então?
- Só tem pão e peixe.

O menino fica desolado. Sua fome é grande e ele se pergunta se alguns peixes e um pouco de pão irão saciar sua fome. O homem barbudo, ciente dos pensamentos do menino, trata de reconfortá-lo.


- Fique tranquilo. Com apenas 2 pães e cinco peixes eu alimentei mais de 5,000 homens e ainda sobraram 12 cestos de comida.


Enquanto o menino tenta entender como aquele homem barbudo alimentou tanta gente com tão pouco, uma mulher vai ao encontro dele. Ela lhe dá um abraço reconfortante.


- Marquinhos, meu filho.


O menino não acredita no que vê. É sua mãe. Ela não está mais na cadeia. E junto dela está o seu pai. Ambos com lágrimas nos olhos. Ele, como não poderia ser diferente, também começa a chorar.

Depois de um tempo, o menino está mais do que satisfeito. No início fica meio cético, não acreditando que irá se deliciar apenas com pão e peixe. Percebe então que está errado. É uma refeição maravilhosa.

Ele já tinha visto seus pais felizes, mas nunca tão felizes. Ah, e não estão sós. Muitos moradores de rua se juntam a eles e comem e ouvem as histórias que o homem barbudo conta.

O menino entende algumas e desentende outras. O homem barbudo faz questão de explicar aquelas mais complicadas. Parece que as histórias que conta se chamam parábolas.

Todos estão saciados. O sono começa a tomar conta de alguns deles. Outros, porém, estão preparados para mais histórias. E para mais pão e peixe. Querem comida para alimentar o corpo e a mente.

Os pais de Marcos se voltam para o homem barbudo. Estão sorridentes e irradiantes, pois saíram da cadeia, onde foram presos injustamente, encontraram o seu filho e agora passam o melhor Natal de todos.


- Moço, muito obrigado. O senhor fez diferença em nossas vidas hoje.
- Não foi nada.
- De verdade. Muito obrigado.


A mãe de Marcos está se despedindo. Ele também quer dizer umas últimas palavras para o homem que encontrou na janela e que acabou de cear com sua família.


- Gostaria de agradecer.
- Agradecer pelo que?
- Por tudo! Algo me diz que, de alguma forma, o senhor está por trás de tudo isso.
- Bem, não há de que.
- O senhor vai para onde agora?
- Para uma casa, ou apartamento, ou na rua mesmo. Qualquer lugar onde eu seja bem-vindo.


O menino começa a pensar nas palavras do homem barbudo e pensa no restaurante onde eles estavam. Por que será que o homem barbudo não entrou no restaurante.


- Não entrei porque não fui convidado.
- Wow. O senhor de novo leu o meu pensamento.
- Sim. Não tem como evitar.
- Então responda: por que o senhor estava do lado de fora do restaurante e não do lado de dentro?
- Veja bem. Eu posso estar em todos os lares de todas as pessoas em todos os lugares, porém eu entro somente quando sou convidado. Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo.
- Mas as pessoas no restaurante estavam ceando, celebrando...
- Sim, mas não comigo e não por mim. Elas tinham vários motivos, mas eu não era um deles.
- E porque o senhor está aqui?


O homem barbudo então aponta para a mãe de Marcos, dona Maria. Ela está distribuindo os peixes e pães para as pessoas que chegaram atrasadas. Ela o faz com um sorriso enorme no rosto.


- É por causa dela que estou aqui. Ela me convidou.


Marcos sente escorrer lágrimas dos seus olhos avermelhados. Aos poucos ele começa a entender o que está acontecendo. As histórias, os peixes, os pães... tudo começa a fazer sentido.

Enquanto ele liga os pontos, o homem barbudo se afasta deles. Ele precisa ir para outros lugares. Ele precisa visitar outras famílias. Ele precisa cear com outras pessoas.

Sim, ele vai-se, mas não sem antes dar um abraço em cada pessoa que está naquele lugar. Desde o mais novo até o mais velho. Desde o mais cheiroso até o que não cheira tão bem. Ele não faz acepção de pessoas.

Marcos se maravilha com o que vê. E quando chega sua vez de abraçar o homem barbudo, ele sente algo indescritível. Ele não quer solta-lo. A sensação é boa demais.


- Muito bem, meu jovem rapaz. Eu também gosto de abraça-lo, mas preciso ir. Posso?
- Por favor, não vá. Fique mais um pouco conosco.
- Eu realmente preciso ir, mas olha só, haverá um momento que eu voltarei e aí não nos separaremos mais.
- Sério? Verdade isso? O senhor não está mentindo, está?
- Eu não minto. Eu voltarei.
- Quando?
- Não sei precisar. Isso só o meu Pai sabe, por isso aguente firme, ok? Seja forte por você, pelos seus pais...
- Vou tentar, mas as vezes é difícil.
- Eu sei que é. Mas lembre-se: estarei contigo.


Marcos, meio que a contragosto, solta o homem barbudo. Por ele, ficaria por horas abraçado, mas sabe que isso seria egoísmo da parte dele. Muitos outros precisam daquele abraço.

O homem barbudo, depois de se despedir de cada um, começa a se afastar. Marcos começa a chorar. Na sua mente apenas uma pergunta: será que ele iria demorar a voltar?

Marcos então começa a correr em direção ao homem. O homem continua andando e Marcos então começa a gritar. O homem então para e se vira. Vê o menino correndo enlouquecidamente. Marcos então o abraço.


- Por favor, não vá.

- Por mais que eu queira ficar, não posso. Preciso ir.
- Tá bom!!! Ah, só mais uma coisa.
- Sim, pode falar.
- FELIZ ANIVERSÁRIO, JESUS!!!


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Cada ano que passa o Natal se torna mais e mais uma data meramente comercial, onde as pessoas estão preocupadas em consumir: presentes, comidas e bebidas.

Não há nada errado em presentear quem você gosta e sejamos francos, a comida servida nessa época do ano é muito boa, apesar do nariz torto que muitas pessoas têm para o arroz com uva passa.

Comer, beber, celebrar é muito bom, mas não podemos esquecer o que ou quem estamos celebrando.

Que nesse Natal Jesus possa fazer parte da sua mesa e não apenas como mero convidado, mas sim como convidado especial.

FELIZ NATAL E 
UM PRÓSPERO ANO NOVO

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