Eles estão esperando na sala e não têm
a menor ideia do que os aguarda. A ansiedade é imensa. Edson anda de um lado para
o outro enquanto Anderson rói as unhas da mão direita. Eles sabem que vem
chumbo grosso por aí.
- Mas você é burro mesmo. Sua anta!!!
- Eeeeeeeu???? Se sou uma anta, você é o
que?
- Eu sou o cara que disse que isso iria
acontecer. Lembra?
- Ah tá!!! Lembro de bosta nenhuma. Você
não disse nada.
- Meu. Cala a boca senão...
- Senão o que? A mocinha vai fazer o
que?
O clima começa a ficar pesado. De tanto
andar Edson começa a suar. Anderson não tem mais unhas. Os dedos estão em carne
viva. De repente, alguém aparece na porta. Os dois se abraçam. Não como
demonstração de afeto e carinho e sim como expressão de medo.
A pessoa se aproxima e adentra o quarto.
Ela está com cara de poucos amigos. Edson olha para Anderson que retribui o
olhar. Eles sabem que precisam ser fortes. Edson havia prometido que iria levar
o segredo com ele para o túmulo. Anderson também fez a mesma promessa, mas ambos
sabiam que Anderson era o elo fraco. Ele não iria aguentar. Já tinha fraquejado
antes e com certeza iria abrir o bico agora.
A pessoa, em silêncio, senta no banco e
fica na frente de Edson, que continua a suar, e Anderson, que chupa as pontas
dos dedos que ainda contêm um pouco de sangue. Os dois estão nervosos. A pessoa
está em silêncio sepulcral. Eles temem pela vida. Acreditam que dessa vez a
morte é iminente. Não haverá escapatória. Mas Edson é fiel a sua promessa. Não irá
falar. Já o Anderson...
- Eu confessoooooo. Foi ele. Ele que
comeu toda a lasanha. Eu disse para ele não comer tudo. Eu falei que o pai não
tinha comido ainda. Mas nãããão, ele não me escuta. Diz que é o mais velho e quem manda é ele. Por favor, não
bate na gente.
- Seu cagueta de uma figa. Bundão. Eu vou
te...
- Você vai o que Sr. Edson Brito Reis?
É um péssimo sinal. A pessoa disse o
nome completo do Edson. Ele quer muito pular no pescoço do Anderson e esganá-lo,
mas irá fazer isso depois. Ele olha para a pessoa que o encara, aguardando uma
resposta, e depois olha para a porta. Se ele for rápido, conseguirá escapar com
vida. É arriscado, mas ele não tem nada mais a perder. Sua vida está em jogo. Ele
abre a boca, fingindo que irá confessar o crime e, como um gato, dá um pulo e foge
em direção à porta. Infelizmente não foi rápido o suficiente.
- Onde o senhor pensa que vai?
- Maaaaanheeee. Ele tá mentindo. Eu não
comi toda a lasanha.
- Aaah não. Quem foi então?
- Foi a vó.
- Como é que é?
- A senhora sabe que as vezes a vó fica
mexendo nas panelas. E a senhora sabe que ela ama lasanha.
Anderson lança um olhar de reprovação
para Edson. Como ele tem a coragem e audácia de colocar a culpa na vó dele?
- Mãe... então... tudo começou quando
eu acordei. Tomei banho, fui na padaria e comprei pão como sempre faço todo o
santo dia. Aliás, acho que deveria ganhar um salário por isso.
- Edson Brito Reis.
- Ok. Desculpa. Bem, como estava dizendo,
voltei da padaria e o Nem (apelido do Anderson) ainda estava dormindo. Como ele
tem o sono pesado, joguei um pouco de água na cara dele para acordá-lo, o que
funcionou eficientemente.
- É verdade, mãe. Esse sem noção fez
isso mesmo.
- Deixa ele terminar a história,
Anderson.
- Como dizia antes de ser interrompido,
acordei ele, preparei o café e o levei para creche. Na volta pra casa...
- Vai demorar muito essa história?
- Estou apenas no começo, mãe. A
senhora tem pressa? Vai para algum lugar?
- Mas é espertinho mesmo esse meu filho.
- Puxei a senhora.
- Bem, não tenho tempo para sua
história agora. Vá até o mercado e compre esses ingredientes. Vou fazer uma
lasanha para o seu pai.
- Eba, lasanha.
- Eba nada. O senhor não vai sentir nem
o cheirinho dela. Está de castigo. Ficará no quarto.
- Mas mãããe. Não é justo.
- E quem disse que a vida a justa. Agora,
ponha o chinelo e vá para o mercado. Quero terminar essa lasanha antes do seu
pai voltar do serviço.
- Mas não fui eu. Foi a vó. Ela que...
Santinha pega a cinta e mostra para
Edson, que para de falar imediatamente.
- O senhor vai insistir com essa história?
- Não.
- Não o que?
- Não senhora.
- O senhor acha que nasci ontem?
- Não senhora.
- Você vai acordar o seu irmão jogando
água no rosto dele?
- Não senhora.
Ela se levanta, satisfeita com as
respostas, e se dirige para a cozinha. Os dois meninos ficam sozinhos no quarto.
- Kkkkkkk... Se ferrou.
- Tá dando risada?
- To sim. Kkkkkk... Quase apanhou da mãe.
Mas oh, do pai você não escapa.
- Ah é. Tá felizinho? Vai ver só como
vou te acordar amanhã.
- O quê?
- Isso mesmo que você ouviu.
- Oh mããããããããããããeeee!!!!
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Essa história é half-real e half-fictional.
Algumas coisas aconteceram e outras não. Qualquer dia eu digo o que foi real e
o que foi ficção. Porém, uma coisa é mais que real, certa, clara e evidente: a falta
que ela faz.
Hoje se comemora mais um Dia das Mães
sem ela. ☹
Dizem que o tempo apaga tudo. Bem, não
é bem assim. O amor de mãe é inapagável, inesquecível, inextinguível, inabalável,
indestrutível, resistente, permanente, duradouro. Por mais que a vida tente nos
forçar a esquecer, algo acontece que nos faz lembrar tudo de novo. Desde os primeiros
anos de vida até a vida adulta. Desde as primeiras palavras até o não cessar de
falar. Desde o balbuciar da palavra mama até a força da palavra mãe, que ainda
pode ser mamãe, mãezinha, mainha, ou até rainha.
Tudo volta, e não há volta. A imagem
está presa à mente. E ela não está só. Não vem só. São momentos muitos que me
faz sorrir e chorar. Me faz refletir se fiz o suficiente. Se demonstrei o
quanto a amava. Bem, a resposta para essa reflexão eu sei e ela não é positiva.
Ao contrário. Estou em débito, no vermelho.
Muito provavelmente, melhor, muito
certamente, o que ela fez foi mil vezes maior e melhor do que eu fiz. O amor
foi infinitamente maior e não teria como eu retribuir, mesmo sendo o melhor
filho do mundo, pois até o melhor filho do mundo tem os seus momentos de filho
ingrato. O que nos leva a outra reflexão. Como ser ingrato com alguém que nos
trouxe ao mundo? Como ser ingrato com alguém que nos ajuda com...
- incontáveis noites mal dormidas esperando
o filho chegar da rua;
- incontáveis noites no hospital;
- incontáveis horas cozinhando;
- incontáveis horas lavando roupa;
- incontáveis horas passando roupa;
- incontáveis horas trabalhando fora;
- incontáveis conselhos;
- incontáveis broncas;
- incontáveis sorrisos;
- incontáveis lágrimas;
Incontáveis são os motivos para amar
essa mulher chamada mãe. Impossível não admirar o trabalho árduo que é ser mãe,
trabalho esse que dura 24-7, isto é, vinte e quatro horas por dia, sete dias
por semana.
Ser mãe é não ter folga, pois no
domingo, que seria o seu day off, os filhos resolvem se reunir na sua casa para
a famosa macarronada da mama, afinal de contas o melhor restaurante é a casa da
mamãe. E o mais legal é que ela não se importa, pois o que ela mais quer é ter
seus filhos juntos novamente, comendo, conversando, as vezes brigando, mas
juntos.
Ser mãe é ter o verbo sempre julgado no
presente, nunca no passado. A mãe vai-se, mas sua marca fica. Ela nunca foi,
ela é. Ela nunca esteve, ela está. Talvez não em carne e osso, mas em fotos, vídeos,
memórias, lembranças, conversas. Ela não morre e sim vive.
Choro sua perda. O buraco deixado pela
Santinha é grande. Porém, celebro a oportunidade de poder ter passado alguns
ótimos anos ao lado dela.
Talvez você esteja na mesma situação
que a minha. Ou talvez você ainda tenha o privilégio de ter sua mãe ao seu
lado. Bem, essa é chance. Esse é o dia. Diga o quanto você a ama.
Porém, se o relacionamento entre vocês não
está bem, essa é a hora. Deixe o orgulho de lado e ligue para ela. Mande uma
mensagem. Melhor. Se possível, vá até a casa dela e dê um abraço, um beijo e
diga um MUITO OBRIGADO. Talvez ela pergunte o porquê do obrigado. Vire para ela
e simplesmente diga: por tudo.
Esse texto é uma pequena e singela
homenagem as mães que foram, que são e que ainda serão.
Lembrando sempre que no fim das contas
elas nunca foram e sim sempre serão.
FELIZ DIA DAS MÃES
13.05.2018