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domingo, 23 de dezembro de 2018

Fica mais um pouco!!!



Estão todos reunidos no restaurante mais badalado da cidade. A mãe limpa a baba do caçula da família enquanto o pai dá uma olhada atenta e demorada no menu.

Todos os anos eles celebram o Natal nesse mesmo local. Declinam os vários convites que recebem de amigos e parentes. Gostariam até de participar, mas a tradição não pode ser quebrada.  

O pai pensa no que irá pedir enquanto a filha mais velha ajuda a mãe com o seu irmão caçula. Na mesa ao lado um casal conversa sobre os planos do próximo ano. Onde irão morar, quais móveis irão comprar...

Numa mesa não muito distante, alguns amigos estão reunidos para o tão famoso amigo secreto. Há vários presentes na mesa. Um embrulho mais bonito que o outro. E um maior que o outro.

Perto da porta, o dono passa os olhos por todo o restaurante. Não consegue esconder o sorriso de satisfação. Esse é um dos momentos mais importantes do ano. O restaurante sempre fica cheio.

O pai finalmente escolhe o que irão comer. Como teve um excelente aumento no ano, resolve pedir o prato mais caro junto com a garrafa de vinho mais velha e, por conseguinte, a mais cara.

O casal ainda não decidiu o que irão pedir. Ela não quer gastar muito, pois está pensando no jogo de quarto. Ele, porém, quer experimentar a lagosta. O seu amigo disse que é deliciosa.

Um dos amigos da mesa secreta parece ter bebido um pouco a mais da conta e decide começar a cantar. Pelo jeito outros estão bêbados também porque se juntam a ele e, de pé, dançam e cantam entusiasticamente.

O dono pensa em intervir, mas lembra que o pessoal da mesa está pagando um valor exorbitante e ele não quer diminuir a alegria deles. E nem o valor final da conta.

Na cozinha o chef grita desesperadamente com os seus ajudantes. Quer que todos os pratos saiam de forma perfeita. Ele tem uma reputação a zelar e não quer arruína-la num dia tão especial.

Noite especial merece decoração especial. O restaurante está envolto em vermelho e branco. O dono gostaria de ter usado verde e branco em alusão ao seu time de coração, mas sua esposa o fez mudar de ideia.

O restaurante é bonito e fica localizado numa área nobre da cidade, mas hoje está muito mais preponderante. “Valeu a pena o gasto alto pela decoração”, pensa o dono.

Um dos ajudantes está em corpo presente, porém a mente está longe dali. Ele está pensando em sua família que mora na Bahia e como ele gostaria de estar com eles agora. Entretanto sabe que precisa do emprego.

O irmão mais caçula começa a chorar. A mãe o pega no colo e o leva até o banheiro. O pai, indiferente a situação, degusta do vinho mais caro do restaurante. Ele nunca havia bebido vinho tão encorpado e saboroso.

A menina, irmã do caçula, se levanta e vai até a mesa onde os amigos estão cantando e dançando. Ela gosta do que vê. Um dos rapazes sorri pra ela e ela timidamente sorri de volta. Ela então volta para sua mesa.

Não muito distante dali um outro menino também tem uma visão geral do restaurante. Bem, na verdade é uma visão periférica, pois do lado de fora e pela janela não dá para ver muita coisa.

Ele não consegue deixar de sentir um pouco de inveja do que vê. As pessoas parecem estar felizes e bem acomodadas e melhor, estão comendo e bebendo, algo que ele não faz há dois dias.

O menino começa a pensar nos seus pais. Ele não sabe onde eles estão. Foram levados pela polícia, mas ele conseguiu escapar pois estava dormindo numa caixa do outro lado do viaduto.

Ele está com saudades da sua mãe. Vendo aquela mulher com a criança no colo o faz lembrar de sua infância. Ele se lembra que quando chorava sua mãe o abraçava carinhosamente e a tristeza e dor passavam.

Perdido nos seus pensamentos ele percebe que um homem se coloca ao seu lado. Ele não é alto nem baixo, tem cabelos e barba longos. Apesar da aparência diferente, ele transparece paz.

Uma das moças da mesa do amigo secreto começa a vomitar. É sua primeira vez bebendo. Ela pensa que pode acompanhar os amigos, beberreiros de longa data, e aprende da pior maneira que não possível.

O dono vai ao seu socorro. Por dentro está furioso, pois a moça sujou grande parte do chão e mesa, porém por fora ele demonstra paciência e leva a moça até o banheiro para que ela possa se limpar.

Apesar da situação, os outros amigos continuam comendo, bebendo, contando piadas, bebendo, cantando, bebendo, dançando e bebendo mais um pouco. Não é sempre que eles têm essa oportunidade.

O menino que está do lado de fora gostaria muito de estar do lado de dentro. Ele imagina seus pais ali com ele. Iriam fazer a festa. Olha para o lado e pensa que o homem barbudo poderia estar com eles também.


- Realmente! Eu poderia estar com vocês.


O menino olha para o lado. O homem barbudo está falando com ele. Será que ele consegue ler pensamentos? Será que ele possui poderes mágicos? Será que ele é algum tipo de bruxo?


- O senhor está lendo os meus pensamentos?
- Me perdoe. Eu não consigo evitar.
- O senhor consegue ler os pensamentos de todas as pessoas?
- Sim!!!
- Wow!!! O que estou pensando agora?
- Que sou um lunático.
- Wow!!!


Enquanto discutem os poderes do homem barbudo, o dono do restaurante aparece e começa a olhar para os dois que estão parados em frente a janela. O dono então delicadamente começa a falar.


- CAIAM FORA DAQUI SEUS VAGABUNDOS!!!
- Mas... mas...
- NADA DE MAS. SUMAM DAQUI.
- O senhor não poderia nos dar um pouco de comida?
- QUE MANÉ DAR COMIDA. VAI ARRANJAR UM TRABALHO.
- Meu senhor, não há necessidade de gritar com o garoto.


O dono do restaurante fica imóvel. A voz daquele homem barbudo mexe com ele. Ele nunca tinha ouvido voz tão suave e ao mesmo tempo tão poderosa. Ele imediatamente para de gritar.


- Por favor. Retirem-se daqui. Vocês estão afugentando os clientes.


O homem barbudo coloca a mão no ombro do dono do restaurante. O homem então começa a chorar. Ele não sabe o porquê do choro, mas não consegue segurar as lágrimas. Parece mais um choro de alívio.


- Ok, meu bom homem. Estamos saindo daqui.
- Mas eu não quero ir – protesta o menino.
- Vamos, meu jovem rapaz.

Eles então vão embora. O dono do restaurante fica meditando sobre o que tinha acabado de acontecer. O toque daquele homem barbudo tinha, de alguma forma, mudado o seu espírito. Ele então volta para dentro.

Enquanto caminham pela calçada, o menino não pôde deixar de reparar como o homem barbudo tinha mudado o temperamento do dono do restaurante. E tudo mudou depois do toque dele.


- Wow. Aquilo foi incrível.
- O quê?
- A forma como o senhor lidou com a situação.
- Ah, aquilo? Não foi nada.
- Aquilo foi tudo. O homem estava nervoso e de repente ficou calmo, educado até. E tudo com um toque.
- É. O meu toque tem esse poder. Quem se deixa tocar por ele...
- Isso tudo foi legal, mas não mudou uma coisa.
- O que?
- Eu continuo com fome.


O homem barbudo parou e olhou para o menino. Ele estava  com um olhar de compaixão. O menino já tinha visto aquele olhar muitas vezes na sua mãe. Será que ele era a sua mãe?


- Não, eu não sou sua mãe.
- Wow. Você fez de novo. Leu o meu pensamento.
- Sim, eu fiz. Agora, me acompanhe.
- Para onde estamos indo?
- Você verá.


Os dois descem a rua. Estão andando por meia hora. A fome do menino só aumenta. Sua barriga começa a fazer sons engraçados. O menino para de andar. O homem barbudo percebe e então pergunta:


- O que foi, Marcos? Por que parou?
- Eu parei porque estou com fome. Eu quero... pera aí. Eu não te disse meu nome. Como sabe que me chamo Marcos?
- Eu sei muita coisa sobre você. Você é filho de José e Maria e mora na rua com eles. Há dois dias eles foram levados pela polícia e agora você está sozinho na rua, tentando sobreviver.
- Wow. Isso mesmo. Como o senhor sabe de tudo isso?
- Eu apenas sei.


Depois dessa resposta enigmática os dois continuam a descer a rua. O homem barbudo começa assobiar enquanto o menino não vê a hora de chegar ao destino. Ele quer muito comer.


- Está com muita fome, não é mesmo?
- Demais.
- Fique tranquilo. Onde vamos há muita comida.
- Hmmm... não vejo a hora de comer frango, pernil, arroz de forno, salada de maionese, arroz com uva passa, lasanha.
- Bem, onde vamos não tem isso não.
- Nãããão?!?!? O que tem, então?
- Só tem pão e peixe.

O menino fica desolado. Sua fome é grande e ele se pergunta se alguns peixes e um pouco de pão irão saciar sua fome. O homem barbudo, ciente dos pensamentos do menino, trata de reconfortá-lo.


- Fique tranquilo. Com apenas 2 pães e cinco peixes eu alimentei mais de 5,000 homens e ainda sobraram 12 cestos de comida.


Enquanto o menino tenta entender como aquele homem barbudo alimentou tanta gente com tão pouco, uma mulher vai ao encontro dele. Ela lhe dá um abraço reconfortante.


- Marquinhos, meu filho.


O menino não acredita no que vê. É sua mãe. Ela não está mais na cadeia. E junto dela está o seu pai. Ambos com lágrimas nos olhos. Ele, como não poderia ser diferente, também começa a chorar.

Depois de um tempo, o menino está mais do que satisfeito. No início fica meio cético, não acreditando que irá se deliciar apenas com pão e peixe. Percebe então que está errado. É uma refeição maravilhosa.

Ele já tinha visto seus pais felizes, mas nunca tão felizes. Ah, e não estão sós. Muitos moradores de rua se juntam a eles e comem e ouvem as histórias que o homem barbudo conta.

O menino entende algumas e desentende outras. O homem barbudo faz questão de explicar aquelas mais complicadas. Parece que as histórias que conta se chamam parábolas.

Todos estão saciados. O sono começa a tomar conta de alguns deles. Outros, porém, estão preparados para mais histórias. E para mais pão e peixe. Querem comida para alimentar o corpo e a mente.

Os pais de Marcos se voltam para o homem barbudo. Estão sorridentes e irradiantes, pois saíram da cadeia, onde foram presos injustamente, encontraram o seu filho e agora passam o melhor Natal de todos.


- Moço, muito obrigado. O senhor fez diferença em nossas vidas hoje.
- Não foi nada.
- De verdade. Muito obrigado.


A mãe de Marcos está se despedindo. Ele também quer dizer umas últimas palavras para o homem que encontrou na janela e que acabou de cear com sua família.


- Gostaria de agradecer.
- Agradecer pelo que?
- Por tudo! Algo me diz que, de alguma forma, o senhor está por trás de tudo isso.
- Bem, não há de que.
- O senhor vai para onde agora?
- Para uma casa, ou apartamento, ou na rua mesmo. Qualquer lugar onde eu seja bem-vindo.


O menino começa a pensar nas palavras do homem barbudo e pensa no restaurante onde eles estavam. Por que será que o homem barbudo não entrou no restaurante.


- Não entrei porque não fui convidado.
- Wow. O senhor de novo leu o meu pensamento.
- Sim. Não tem como evitar.
- Então responda: por que o senhor estava do lado de fora do restaurante e não do lado de dentro?
- Veja bem. Eu posso estar em todos os lares de todas as pessoas em todos os lugares, porém eu entro somente quando sou convidado. Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo.
- Mas as pessoas no restaurante estavam ceando, celebrando...
- Sim, mas não comigo e não por mim. Elas tinham vários motivos, mas eu não era um deles.
- E porque o senhor está aqui?


O homem barbudo então aponta para a mãe de Marcos, dona Maria. Ela está distribuindo os peixes e pães para as pessoas que chegaram atrasadas. Ela o faz com um sorriso enorme no rosto.


- É por causa dela que estou aqui. Ela me convidou.


Marcos sente escorrer lágrimas dos seus olhos avermelhados. Aos poucos ele começa a entender o que está acontecendo. As histórias, os peixes, os pães... tudo começa a fazer sentido.

Enquanto ele liga os pontos, o homem barbudo se afasta deles. Ele precisa ir para outros lugares. Ele precisa visitar outras famílias. Ele precisa cear com outras pessoas.

Sim, ele vai-se, mas não sem antes dar um abraço em cada pessoa que está naquele lugar. Desde o mais novo até o mais velho. Desde o mais cheiroso até o que não cheira tão bem. Ele não faz acepção de pessoas.

Marcos se maravilha com o que vê. E quando chega sua vez de abraçar o homem barbudo, ele sente algo indescritível. Ele não quer solta-lo. A sensação é boa demais.


- Muito bem, meu jovem rapaz. Eu também gosto de abraça-lo, mas preciso ir. Posso?
- Por favor, não vá. Fique mais um pouco conosco.
- Eu realmente preciso ir, mas olha só, haverá um momento que eu voltarei e aí não nos separaremos mais.
- Sério? Verdade isso? O senhor não está mentindo, está?
- Eu não minto. Eu voltarei.
- Quando?
- Não sei precisar. Isso só o meu Pai sabe, por isso aguente firme, ok? Seja forte por você, pelos seus pais...
- Vou tentar, mas as vezes é difícil.
- Eu sei que é. Mas lembre-se: estarei contigo.


Marcos, meio que a contragosto, solta o homem barbudo. Por ele, ficaria por horas abraçado, mas sabe que isso seria egoísmo da parte dele. Muitos outros precisam daquele abraço.

O homem barbudo, depois de se despedir de cada um, começa a se afastar. Marcos começa a chorar. Na sua mente apenas uma pergunta: será que ele iria demorar a voltar?

Marcos então começa a correr em direção ao homem. O homem continua andando e Marcos então começa a gritar. O homem então para e se vira. Vê o menino correndo enlouquecidamente. Marcos então o abraço.


- Por favor, não vá.

- Por mais que eu queira ficar, não posso. Preciso ir.
- Tá bom!!! Ah, só mais uma coisa.
- Sim, pode falar.
- FELIZ ANIVERSÁRIO, JESUS!!!


                                          *********************************** 


Cada ano que passa o Natal se torna mais e mais uma data meramente comercial, onde as pessoas estão preocupadas em consumir: presentes, comidas e bebidas.

Não há nada errado em presentear quem você gosta e sejamos francos, a comida servida nessa época do ano é muito boa, apesar do nariz torto que muitas pessoas têm para o arroz com uva passa.

Comer, beber, celebrar é muito bom, mas não podemos esquecer o que ou quem estamos celebrando.

Que nesse Natal Jesus possa fazer parte da sua mesa e não apenas como mero convidado, mas sim como convidado especial.

FELIZ NATAL E 
UM PRÓSPERO ANO NOVO

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segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Dia dos professores 2


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- Mas por que você virou professora mesmo?

Essa pergunta persegue Larissa desde o dia que ela se formou, o que aconteceu no final do ano passado. Ela se recorda como se fosse ontem.

Seus pais estão orgulhosos com filha, pois veem nela um sonho se realizando. Eles mesmo não tiveram essa oportunidade. Os dois são analfabetos. Não sabem ler e mal escrevem o próprio nome. Seu José desde os 8 anos ajudava o pai na carvoaria da cidade e dona Maria ajudava a mãe em casa a cuidar dos irmãos e irmãs.

Larissa olha para os professores e amigos e abre um sorriso. Ela então se vira para os pais e o sorriso se transforma em lágrimas, mas não de tristeza e sim de alegria e orgulho. Ela sabe o quanto eles tinham sacrificado. Eles, mesmo sendo analfabetos, incentivavam a filha a estudar, a ler, a se preparar para a vida. Seu José costumava dizer que ele podia não saber ler, mas não sua filha. Ela seria doutora, ou professora, ou diretora, bem, alguma coisa oura que iria trazer orgulho para a família.

Larissa então volta o pensamento para o primeiro dia de aula. Não foi o que ela pode classificar como o melhor momento da vida dela. A começar pela escola em si. Um prédio velho, com buracos no telhado, água vazando no banheiro das meninas, ninhos de ratos em algumas salas de aula. Um prédio judiado pelo tempo e esquecido pela administração regional da cidade.

Essa situação tira um pouco o brilho do primeiro dia, porém ela está mesmo é preocupada com os alunos. De como será recebida. “Será que iriam gostar dela? E se ela começasse a gaguejar de nervoso? Os alunos iriam rir dela? O diretor iria manda-la embora? Seria muito triste ser demitida no primeiro dia de aula.” Esses e muitos outros pensamentos povoam sua cabecinha antes de colocar os pés pela primeira vez numa sala de aula.

Sua mente então a leva para a primeira reunião de professores. Ela também ansiava por esse dia. Queria ouvir dos professores mais velhos, com mais experiência. Queria aprender com eles, afinal eles estavam na estrada do ensino a mais tempo que ela.

- Nossa!!!! Peguei os pestes da 5 série E. Como eu odeio essas crianças.
- Crianças?!?!? Tudo marmanjo. Tem criança ali não.
- E você, Margarete?
- Ah, os meus também não são anjos. Ninguém prepara a lição de casa. Aff!

Larissa fica perplexa com o que ouve. A maioria dos professores reclama dos alunos. E nenhum apresenta uma solução plausível para tais problemas. Usando a estratégia que pensou no dia anterior, Larissa apenas ouve, não dando pitacos nas opiniões dos outros professores. Até que...

- E a professora nova? O que está achando de dar aula? Já quer desistir? Olha que dá tempo, viu? Vai atrás de outra profissão.

Todos caem na gargalhada. Todos menos a diretora.

- Margarete, você realmente acha isso engraçado?
- Não, diretora. Na verdade, acho isso triste.
- Você quer saber o que eu acho?
- Sim, por favor. Nos ilumine com sua sabedoria.
- Acho que você precisa de uma reciclagem. Assim como esse prédio, você também parou no tempo.

A tensão no ar é palpável. Olhares são trocados. Conhecendo Margarete, ela não ficará sem dar uma resposta à altura. A diretora então se antecipa e termina a reunião. Dispensa todos os professores, exceto Larissa. Ela quer ter uma conversa particular com sua professora mais nova.

- Me perdoe, Larissa. Você não precisava ter ouvido isso.
- Tudo bem.
- Margarete é uma das nossas professoras mais antigas e uma das melhores também. Gosto dela, mas realmente acredito que ela precise se reciclar. Aliás, acredito que todo o nosso sistema de ensino precisa mudar. Precisa de um chacoalhão.
- Eu concordo.
- Concorda? Que bom. Fale-me sobre os seus alunos, suas aulas e sobre o que você acha do ensino hoje.

Elas ficam na sala dos professores por volta de 1 hora e meia e Larissa pode conhecer um pouco dos pensamentos da diretora e dividir com ela o que pensa sobre escola, alunos, professores, metodologia, etc. A conversa é muito agradável até o momento que a diretora pergunta:

- Mas por que você virou professora mesmo?

Larissa não sabe responder. Bem, pelo menos não de forma clara. Fala, fala, fala e não diz nada. Divaga sobre o ensino no Brasil, a participação do professor dentro e fora da sala de aula, mas não é clara. A diretora, experiente como ela só, busca acalma-la.

- Tudo bem, Larissa. Eu acho que entendi.
- Desculpa. Não fui muito clara.
- Não tem problema. Com o tempo você terá a resposta certa.

E o tempo passou, as férias de julho chegaram, as férias de julho passaram e Larissa ainda não tinha uma resposta concreta para a pergunta da diretora, o que lhe deixava intrigada, pois ela adora dar aula e cresceu com o pensamento de ser professora.

Ela não consegue pensar em mais nada a não ser na pergunta. Acorda pensando nela e vai dormir pensando nela. Nenhuma resposta a convence. Ela está tão entretida na busca por uma resposta que esquece que dia é hoje.

Chega na escola e encontra sua sala vazia. Não entende nada. Vai então até a sala dos professores. Ninguém lá também. A diretora então a encontra no corredor e a leva até o pátio da escola.

Ao chegar lá, surpresa. Todos os alunos da escola estão sentados no pátio. Os professores estão em pé, atrás dos alunos. Larissa, ainda sem entender nada, pega o calendário para checar que dia é hoje. Depois de ver a data, as coisas começam a fazer sentido.

A diretora então toma o centro do pátio.

- Bom dia, professoras e professores. Bom dia, alunas e alunos. Bom dia, pais dos professores.

Larissa toma um susto. Os seus pais estão ali fazendo o que?

- Hoje é um dia especial. Hoje é o dia deles, dos nossos queridos professores.

Todos que estão no pátio começam a aplaudir entusiasmadamente. Os professores então levantam o braço e acenam. Todos com ar de surpresa.

- Bem, como se pode ver nos rostos dos professores, eles não sabiam. Eu quis fazer algo novo esse ano, por isso disse para eles que não iríamos comemorar o dia dos professores. Muitos ficaram tristes. Alguns até me xingaram, me chamaram de desalmada. Disseram que eu não reconheço o trabalho deles.

Margarete olha para baixo. Ela estava agora com vergonha das coisas que disse para a diretora.

- Mas tudo bem. Eu os perdoo. Sei que ficaram tristes, pois é uma data especial pra eles. Bem, eles não sabiam, mas os alunos sim. Falei com cada um deles, assim como falei com os pais dos professores.

Larissa olha para os seus pais que estão sorrindo para ela.

- Pedi sigilo absoluto. Não queria que vocês professores soubessem e, pela cara de surpresa de vocês, os alunos e pais conseguiram manter segredo. Parabéns a todos. Sei que não foi fácil.

Mais uma salva de palmas e gritos de Uhuuuuuuu!!!

- Assim como pedi sigilo, pedi para os alunos escreverem o que pensam dos professores. Disse para que fossem sinceros, que abrissem o coração.

Tensão no ar. Os professores ficam apreensivos com o que o Joãozinho irá falar sobre eles.

- Bem, em primeiro lugar quero entregar esses presentes para todos os professores.

A diretora então chama professor por professor e entrega uma caixa que contém um livro, uma caixa de bombom e um vinho. Ela pensou nesses presentes depois de conversar com os professores, conhecê-los melhor e perceber do que eles gostam. Chegou no livro, bombom e vinho.

Os professores gostam do presente. O que eles nunca irão saber é que o dinheiro dos presentes saiu do bolso da diretora, pois a administração regional não separou dinheiro para comemoração do dia dos professores.

- Como diria Eddie, nosso professor de inglês, Well, it’s time! Hora de ouvirmos nossos amados alunos. E para começar os trabalhos... chamo a frente a aluna Cícera.

Cícera se levanta, vai até o centro do pátio e começa a falar...

“Querida professora Margarete. A senhora é uma ótima professora, mesmo nós não sendo ótimos alunos. A senhora pede toda aula para fazermos lição de casa e toda aula a gente esquece. A senhora fica com muita raiva. Sabe como sei disso? As suas orelhas ficam vermelhas. Fica com raiva não, professora. Isso é ruim para a sua saúde. Oh, te amo viu. Mesmo a senhora sendo brava as vezes. Sei que a senhora só quer o nosso bem. E prometo, na frente de todo mundo aqui, fazer todas as lições de casa.”

Aplausos efusivos. Cícera leva o bilhete e entrega na mão de Margarete, que com lágrimas nos olhos, dá um abraço carinhoso em Cícera que volta para o seu lugar e dá espaço agora para Sonia.

“Dear, teacher Eddie...

Eddie, professor de inglês da Sonia, abre um sorriso de orelha a orelha. Fica imaginando que sua aluna irá ler um texto todo em inglês. Ah, que orgulho ele está sentindo agora. Sonia então faz uma pausa, olha para Eddie e continua...

“eu odeio ingrêis, eu odeio essa língua maldita. Não consigo entender nada. I am... You are... He are… She are… aaaaaaaaahhhhh odeio odeio odeio... Odeio você também teacher. Não gosto de você, nem das suas aulas, nem dessa língua... você fica lá falando e eu não entendo nadaaaaaa... Oh, e não sou apenas eu, tá? Um monte de gente não gosta de você e nem dessa língua. Tenha um péssimo dia dos professores!!!”

Silêncio no pátio. Sonia deixa o centro do pátio e, batendo o pé, volta para o seu lugar. Todos, simplesmente todos, têm os olhos voltados para Eddie que não sabe onde enfiar a cara. Larissa, que está próximo dele, dá um abraço nele, tentando confortá-lo. Ela então, bem baixinho, diz no ouvido dele, “Eu gosto das suas aulas e adoro inglês.”

Eddie abre um pequeno sorriso, pega o seu presente e vai para sua sala. Não tem mais clima para ficar ali.

- Bem, momento awkard, ladies and gentlemen. Mas vamos continuar. O show não pode parar. Como diria o Eddie, the show must go on. Bem, talvez não seja um bom momento falar sobre o Eddie agora. Mas então, continuando, nosso próximo aluno é o Anderson.

Anderson, um menino pequenininho, tímido de tudo, se levanta e vai em direção ao centro do pátio. Começa a falar, mas sua voz é tão baixa que ninguém consegue ouvir. Providenciam então um microfone velho que estava na sala dos professores e entregam pra ele. Agora sim é possível ouvi-lo.

“Querida professora Larissa. Sempre fui tímido e por conta disso não tenho muitos amigos. Na verdade, acho que não tenho amigo algum. Os outros alunos não gostam de falar comigo. Gostam sim de fazer piadas comigo, com o meu tamanho. Sempre me senti excluído. Os professores nunca me deram atenção. Bem, isso até a senhora chegar aqui na nossa escola. Não sei se a senhora se lembra, mas no primeiro dia de aula a senhora se sentou ao meu lado quando eu disse que não tinha entendido a lição. Eu nunca vou me esquecer da atenção que a senhora me deu. Aquele momento foi muito mais que especial. E percebi que a sua atitude não é exclusiva minha. A senhora é assim com todos os alunos. A senhora é carinhosa, bondosa, prestativa e explica muito bem. Por isso digo: MUITO OBRIGADO, professora Larissa!!! Feliz dia dos professores!!!”

Anderson começa a andar em direção da professora quando é tomado por um abraço. É Larissa. Ela sai correndo do seu lugar para abraça-lo. Aquelas palavras tocam e muito o coração dela. Ela chora como criança. E lá no fundo, seus pais também choram. Aliás, difícil é achar alguém que não esteja emocionado com aquele momento.

A diretora então chama a atenção para si novamente e continua com as homenagens. Dessa vez ela chama o Joãozinho. Tensão e apreensão no ar. Enquanto ele se encaminha para o centro do pátio, as pessoas observam algo diferente nele. Ele está bem vestido e com um penteado im-pe-cá-vel.

Ele então, assim como Anderson, pega o microfone e começa a falar.

“Querida professora Jasmim, a senhora é literalmente uma flor. Pensei muito antes de escrever essa pequena carta de amor. Sim, eu disse AMOR... Professora, a senhora é minha musa inspiradora. Você é quem me faz levantar todos os dias e vir para essa escola. Gosto de estudar? Claro que não. O que me move até aqui são os seus cabelos ruivos e cacheados. O seu perfume toma conta do ar e das minhas pequenas narinas. A sua pele... aaahhh a sua pele. Ela é macia como pêssego. Como sei disso? Todos os dias você faz parte dos meus sonhos e neles eu acaricio a sua pele, beijo seus lábios carnosos, desço minha boca pela sua barriga até chegar na....

- EEEEEPPPPPPAAAAA!!!! OK OK OK.

A diretora dá um pulo e toma o microfone de Joãozinho.

- Muito obrigado Joãozinho. Acho que todos entendemos. Não é professora Jasmim?

A professora Jasmim não sabe onde enfiar sua cara. Os outros professores estão morrendo de rir. Os colegas de Joãozinho o parabenizam pela coragem.

- Ok, pessoal. Depois desse momento caliente vamos continuar as homenagens.

E assim os alunos continuam emocionando os seus professores com expressão de carinho através das mensagens. Ao final das homenagens, todos são convidados a comer e beber.

Enquanto eles comem, muitos aproveitam para conversar, colocar o papo em dia, comentar sobre o que foi lido. A diretora então vê Larissa conversando com os seus pais.

- Com licença.
- Olá, diretora. Que belo evento. Parabéns.
- Não foi nada. Vocês professores merecem.
- E essa comida aqui? Que delícia!
- Agradeça sua mãe. Ela que teve a iniciativa de falar com os outros pais e preparar essa farta mesa com comes e bebes simplesmente deliciosos.
- Ah, minha mãe é assim mesmo.

Larissa dá um abraço apertado em sua mãe. Depois dá um abraço apertado no seu pai. Ela então vira para a diretora e diz:

- Diretora, já tenho a resposta.
- Resposta?
- Sim, para a pergunta que você me fez na reunião dos professores.
- Qual pergunta? Fiz tantas.
- Você me perguntou: Mas por que você quer ser professora mesmo?
- Ah, verdade. Lembrei agora. Tá, qual é a resposta.

Larissa beija os seus pais, põe a mão na bolsa e puxa as cartinhas que recebeu dos seus alunos.

Ela então aponta para os pais e diz:

- Por causa deles.

Depois aponta para as cartinhas e diz:

- E por causa deles.

A diretora abre um sorriso e responde:

- Essa é a melhor resposta que você pode dar. Sempre que lhe perguntarem o porquê de você ter escolhido essa profissão, diga: POR CAUSA DELES.
- Obrigado diretora. Você é uma ótima pessoa e excelente profissional.
- Sou nada.
- É sim. Por exemplo, eu sei que a senhora comprou os nossos presentes com o seu dinheiro.
- Quem te disse?
- Um passarinho.
- Ah, esse passarinho fala demais.
- Obrigado, viu. Amei os presentes. Aliás, acho que vou abrir a caixa de bombons agora. Que tal?
- Ótima ideia. O de amendoim é meu.

Larissa então abre a caixa e eles ficam ali, degustando os bombons e se divertindo com as histórias do pai de Larissa.


                                              * * * * * * * * * *


Parabéns Larissas, Margaretes, Jasmins, diretoras... Continuem sendo pessoas especiais que fazem diferença na vida de milhões de brasileiros.

Todos nós temos histórias emocionantes para contar e isso é POR CAUSA DE VOCÊS!!!!


PARABÉNS PROFESSORES