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segunda-feira, 21 de março de 2016

Seis meses

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Mike é um americano de 27 anos. Formado em Direito, trabalha em um dos escritórios mais bem sucedidos da America. Ingressou na Linconl and Partners Law Office quando tinha apenas 21 anos e aos 23 já era considerado um dos advogados mais brilhantes de Nova York. Depois de cinco anos no escritório foi-lhe oferecido participação na sociedade e hoje Mike viaja pelo país defendendo grandes empresas. Muitas delas fazem parte da lista da Forbes 100. Mas Mike não é apenas um excelente advogado. É também uma pessoa carismática. Todos gostam dele. É dono de um belo rosto e porte físico perfeito e gosta de dançar e cantar. Está sempre envolvido nos happy  hours e geralmente é  o centro das atenções. Tanto cantando quanto dançando. É adorado pelas mulheres e invejado pelos homens.

Mike vive em 2016 um ano mais do que fantástico. Acaba de comprar um apartamento em Soho, um dos bairros mais elegantes e caros da cidade de Nova York. Adquiriu há duas semanas uma Ferrari, mais uma para sua coleção. E depois de pensar muito irá pedir a mão de Linda em casamento. Os dois se conheceram em 2014 e ele tem mais do que certeza que ela é a mulher da sua vida. Apesar da distância – ela mora em São Francisco – sempre que possível eles se encontram para matar a saudade. Com o número de processos que Mike vem trabalhando, os encontros estão cada vez mais raros. Mike já a convidou mais do que cinco vezes para morar junto com ele, mas nas cinco vezes ela negou dizendo que cresceu num lar onde aprendeu que para morar juntos o casal deve estar casado. 

O dia está lindo. São 11 horas da manhã e Mike está conversando com Linda pelo Skype.

- Bonjour.
- Ola, querido. Gastando o francês, hein?
- O professor disse que preciso usar sempre que possível.
- Que bom. Já aprendeu o que em francês?
- Bonjour. Crossaint?
- Kkkk... Yes, please. Estou morrendo de fome.
- Não tomou café ainda?
- Acordei quase agora.
- Que horas são?
- 8 horas.
- Meu Deus, já são 11 aqui na Big Apple.
- Fuso horário.
- Realmente, Nova York está anos luz a frente de vocês.
- Só porque você quer.
- Falando em Nova York, quando você irá se mudar para cá? Não aguento ficar longe de você.
- Você sabe quando.
- Sei. E é por isso que quero lhe fazer uma pergunta.
- Diga.
- Você, Linda, não quer se...
- PEEEERAAAAA.
- O que foi?
- Você está fazendo o que penso que está fazendo?
- O que estou fazendo?
- Está pedindo minha...
- Ééééééé... Yeeeees.
- Não senhor. Pode parar. Você deve estar de brincation with me. Vai fazer isso por skype???
- Não pode?
- Claro que não. Meu Deus.
- Mas é que...
- Mas é que nada. Olha para mim. Acabei de acordar. Estou toda descabelada. Pareço um urso panda.
- Pior que parece mesmo. Kkkkk...
- Hey. Não é para dar risada. O assunto é sério.
- Sorry.
- O que aconteceu? Você é tão romântico. Pensei que você iria me levar para um desses restaurantes finos de Nova York. A gente teria um jantar maravilhoso e no final alguém iria tocar violino enquanto você, de joelhos, me pedia em casamento. Aiai... - Linda respira profundamente - ... que nem os filmes da Julia Roberts.
- Quem é Julia Roberts?
- Meu Deus.
- Olha só. Eu pensei nisso. Mas não aguento esperar mais.
- Eu também, não. Não vejo a hora de morarmos juntos. Mas...
- Mas o quê?
- Pedido de casamento pelo skype não, né? Você pode fazer melhor.
- Ok... Ok... Você venceu. Quando você vem pra Nova York?
- Semana que vem.
- Tá bom. Vou fazer os preparativos da surpresa que de surpresa não tem mais nada. 
- Tá bom. Deixe-me ir. Preciso me arrumar para ir trabalhar.
- Dá um jeito nesse cabelo aí. - Mike sorri desenfreadamente enquanto tenta imitar o penteando urso panda de Linda.
- Ha ha ha... Muito engraçado.
- Também acho.
- Beijos. Bom trabalho.

Mike desliga o Skype e se dirige a cozinha do escritório. Precisa de um café. Sua secretária insiste em pegar o café pra ele, mas ele diz que prefere buscar, pois assim pode esticar as pernas e papear com seus colegas de trabalho. Especialmente Sam, um dos melhores advogados do escritório e também seu melhor amigo.

- Hey, Sam. Vamos tomar um cafezinho?
- Opa. Leu os meus pensamentos. Mas antes dê uma olhada nisso.

Sam vira o monitor do seu laptop e mostra a foto de uma mulher.

- Quem é essa?
- Dilma Rousseff.
- A presidente do Brasil está na capa do The New York Times?
- Isso.
- O que aconteceu?
- Está acontecendo no Brasil uma investigação chamada Lava Jato.
- É verdade. Li a respeito.
- E tem muita gente graúda envolvida. Até o ex-presidente Lula está envolvido.
- Lula? Wow.
- Dizem que é o maior caso de corrupção da história de um país de regime democrata. Estão falando até em impeachment.
- Que pena. O Brasil é um país sensacional. Merece coisa melhor. O povo de lá é muito legal. Eu me diverti muito durante a Copa.
- Pois é, meu amigo. Triste, não?
- Demais. Espero que resolvam essa situação e mandem para a cadeia todos os envolvidos. Agora, cafezinho?
- Só se for agora.
- Hmmm... não vai dar. Lembrei de algo.
- O que foi?
- Tenho médico agora. Na verdade, já estou atrasado.
- Médico? Está tudo bem?
- Sim. É apenas um exame de rotina.
- Ah, então está tranquilo e favorável. Não conheço ninguém que seja mais saudável do que você.
- Eu me cuido. Quero viver até os 100 anos. E bem.
- Você vai viver até os 200. Tenho certeza.
- Bem, preciso ir. A tarde tomamos um cafezinho. Abraços.

Os dois se despedem. Mike pega o seu Audi TT preto e em 15 minutos está no consultório do doutor Rodriguez, um dos médicos mais conceituados da cidade. Mike é seu paciente desde 2012. Nunca foi em outro médico. Acredita em tudo o que o doutor Rodriguez diz. E faz tudo o que o ele pede. Sua palavra é lei.

Depois de esperar por 10  minutos, Mike é levado à sala do doutor Rodriguez pela recepcionista.

- Com licença, doutor.
- Olá, Mike. Entre e sente-se, por favor.
- Como você está?
- Bem, graças a Deus. E você? Já pediu Linda em casamento?
- Sim. E não.
- Como assim?
- É uma longa história. Quando o senhor for ao meu apartamento eu conto.
- Comprou o apartamento?
- Sim.
- Meus parabéns. Você irá adorar o bairro. 

Os dois conversam por pelo menos 10 minutos sobre o bairro de Soho. E era desse papo informal que Mike gostava.  Depois de discorrerem sobre as padarias e parques do bairro, os dois dirigem-se a uma sala e lá Mike tira raio-x. Depois uma enfermeira coleta amostras do seu sangue. Toda a bateria de exames dura em torno de 40 minutos. É algo bem minucioso. O médico Rodriguez é conhecido por esse tipo de cuidado com os seus pacientes.

- Bem, Mike. Irei com calma checar os resultados dos exames. Vamos marcar uma nova consulta para semana que vem. Pode ser nesse mesmo dia e horário?
- Sim.
- Fechado então.

Os dois se despendem e Mike volta para o escritório. A tarde ele toma café com Sam enquanto discutem os rumos da economia e política do Brasil, país que aprenderam a gostar e admirar durante a Copa do Mundo.

1 semana depois

Mike volta ao consultório do Dr. Rodriguez. Ele chega cantando, pois a noite será especial. Linda estará na cidade. Ele reservou uma mesa no Red Lobster. Contratou um violinista e comprou o anel de noivado na Tiffany. Tudo ficou em torno de US$ 7,000.00, o que não foi problema para ele uma vez que ganhou um bônus substancial por ter ganho um processo onde defendia a Coca-Cola.

Ele está muito empolgado. Sua vida realmente está indo de vento em poupa.

- Bom dia, doutor.
- Bom dia, Mike. Por favor, sente-se.
- Doutor, é hoje.
- Hoje o que?
- Hoje eu pedirei Linda em casamento.
- Que bom. Que bom.
- Nossa. Pensei que o senhor ficaria mais empolgado. Afinal de contas, sempre perguntou sobre nós.
- Eu estou empolgado e feliz por vocês. O problema não é esse.
- O que foi então? Nunca vi o senhor tão sério.
- Mike, eu peguei os resultados dos exames.
- E?
- Acredito não ter boas notícias.

Mike não gosta do tom de voz do doutor.

- Ok, doutor. O que o senhor viu nos meus exames?
- Você tem uma doença raríssima chamada Mal de Linderson.
- Mal de Linderson?
- Isso. Há muito pouca informação sobre ela. O que sabemos é que ataca primeiro o sistema respiratório fazendo com que a pessoa tenha a sensação de que está morrendo sufocada. Depois ataca os membros inferiores e superiores, fazendo com que a pessoa tenha dificuldade de mexer os braços e pernas, levando na maioria das vezes a paralisação dos membros. Essa paralisação pode ser temporária ou permanente. E por último, ela ataca o cérebro, afetando principalmente a memória. A pessoa começa a esquecer nomes, rostos familiares, lugares. E finalmente...

Mike está em total silêncio. Ele apenas absorve aquelas palavras que acertam os seus ouvidos como socos.

- Mike? Você entendeu o que falei?
- Sim. Qual o tratamento?
- Esse é outro problema. Não há cura. Não há tratamento.
- Como assim? Deve haver algo que possa ser feito.
- Infelizmente, não há.
- Não. O senhor está enganado.
- Eu gostaria de estar.
- NÃO NÃO NÃO
- Mike, por favor.
- NÃO. Linda estará na cidade hoje à noite. Eu vou me casar com ela. Nós teremos filhos lindos.
- Mike.
- ESSE EXAME DEVE ESTAR ERRADO. VEJA NOVAMENTE.

Mike não fala mais. Ele grita.

- Eu olhei, analisei, olhei de novo. Pedi para amigos médicos darem uma olhada e todos chegamos a mesma conclusão.
- NÃO PODE SER. VOCÊS ESTÃO ERRADOS.
- Como disse, gostaria de estar errado.
- MAS EU ESTOU BEM. NÃO SINTO NADA DISSO QUE VOCÊ FALOU. TENHO SAÚDE DE UM CAVALO. COMO FRUTAS E LEGUMES, NÃO FUMO, BEBO MODERAMENTE, VOU À ACADEMIA 3 VEZES POR SEMANA, PARTICIPO DE MARATONAS, JOGO BASQUETE E FUTEBOL AMERICANO TODO FINAL DE SEMANA.
- Mike, sente-se.
- NÃO VOU ME SENTAR. NÃO QUERO SENTAR.
- Mike, por favor.

Depois de alguns minutos, Dr. Rodriguez consegue acalmar Mike.

- Quanto tempo eu tenho?
- Não posso precisar.
- Doutor, quanto...tempo...eu...tenho?
- Mike, não é certo o tempo que...
- PELO AMOR DE DEUS, HOMEM. QUANTO TEMPO?
- 6 meses.
- 6 MESES???? EU ESTAREI MORTO EM 6 MESES?
- Infelizmente, sim.
- O SENHOR TEM CERTEZA?
- Bem, tudo pode acontecer, mas até hoje as pessoas com Mal de Linderson viveram no máximo 6 meses.
- 6 MESES... 6 MESES...
- Mike, você acredita em milagres?
- NÃO. EU NÃO ACREDITO EM MILAGRES. EU ACREDITO NA CIÊNCIA.
- Bem, nesse caso a ciência está lhe dizendo que você tem 6 meses de vida.
- Doutor, eu te respeito, mas não vou ficar só com o seu diagnóstico. Vou procurar outro médico.
- Te encorajo a fazer isso.
- Ok. Obrigado, doutor.
- Mike, sinto muito.
- Eu também.

Mike sai do consultório do Dr. Rodriguez e se dirige ao seu Audi TT preto, ainda sem acreditar no que tinha acabado de ouvir. Seis meses? Ele tem apenas 27 anos. Tem muito a viver ainda. Como assim seis meses?

Ele entra no carro quando toca o seu celular. Ele olha para o visor. É Linda. Ela dever ter chegado ao aeroporto. Ele havia dito que iria buscá-la. Mas e agora?  O que diria a ela? Que não iriam se casar mais? Que caso se casassem agora, em seis meses ela seria viúva? Mike não atende ao telefone. Não pode fazer isso agora. O que ele faz é o que não fez durante a conversa com o doutor Rodriguez. Mike chora.