O
que é AMOR, essa palavra pequena, mas com um poder gigantesco? Muito
provavelmente, se você perguntar para dez pessoas, você ouvirá dez definições
diferentes. Abaixo temos algumas dessas definições.
1.
Afeição profunda a alguém, a ponto de estabelecer um vínculo afetivo intenso,
capaz de doações próprias, até mesmo o sacrifício;
2.
Dedicação extrema e carinhosa;
3.
Sentimento profundo e caloroso de atração que um sexo experimenta pelo outro;
4.
Apego;
5.
Carinho e ternura;
6.
Cuidado, zelo;
7.
Relações amorosas, namoro.
O
amor é cantado. O amor é prosado.
É
expressado tanto nas palavras quanto no silêncio.
Faz
parte da trilha sonora de novelas, filmes e seriados.
Faz
parte da trilha sonora da vida real.
Faz
parte dos relacionamentos entre casais, pais e filhos, amigos.
Alguns
o classificam como um sentimento. Outros o enxergam como um verbo. Na verdade é
um pouco dos dois, pois começa com um sentimento que lhe motiva a fazer algo
por alguém.
O
amor tem várias facetas e falaremos sobre uma delas. Para isso irei contar o
relato da pequena Marina. E como diria a vinheta do programa infantil da TV
Cultura Rá Tim Bum... Senta que lá vem história.
O
ano é 1990. Gerson e Cristina estão ansiosos. Ela está com a menstruação
atrasada. Gerson não sabe se fica feliz ou triste. Já Cristina tem certeza:
está super feliz. É o sonho de ser mãe sendo realizado.
Os
dois estão do lado de fora do consultório, aguardando a chamada do médico.
- Podem entrar.
- Com licença doutor.
- Parabéns, Cristina. Você está
oficialmente grávida.
- Uhuuuuuuuu... Yeeeeeeessssss...
- A partir de agora você precisa cuidar
melhor da sua dieta.
- Sim, senhor.
- Quero vê-la novamente daqui a um mês.
- Pode deixar, doutor.
Na
saída do consultório Cristina imediatamente liga para todos os seus parentes e
amigos e avisa sobre as boas novas. Dentro do carro ela não para de falar.
Discorre sobre o quarto do bebê, sobre o enxoval, sobre a roupinha que ele irá
usar na saída do hospital, sobre a necessidade de comprarem uma casa.
- Amor, por que não fala nada? Está tudo
bem?
- Sim, sim.
- Ficou feliz com a idéia de ser papai?
- Sim, sim.
- Aaaahhh... eu estou assim... super
feliz... não me aguento de tanta felicidade...
Cristina
dispara a falar novamente. Fala sobre tudo e sobre todos. Explica que todos da
família ficaram super felizes, menos o seu pai. Ele não queria que sua filha
ficasse grávida antes de casar. Mas Cristina explicou que não havia problema
porque o seu namorado seria o seu marido. Ela tinha certeza total nisso e pediu
para o seu pai não se preocupar.
E
Cristina a decorrer o seu monólogo.
- ... e nós nem precisamos nos preocupar
com a compra do berço porque minha mãe falou que faz questão de comprar. E sabe
o que mais? Gerson, você está me ouvindo?
- Sim, claro. O quê mais?
- Eu serei a melhor mãe do mundo.
- Não tenho dúvidas disso.
Gerson
deixa Cristina no serviço dela e de lá vai para a oficina onde trabalha. Cristina
acha o comportamento do namorado muito estranho. Ele nunca ficou tão sério
desde que os dois começaram a namorar, isto é, há sete anos.
Cristina
chega exausta do trabalho. Gerson ainda não chegou. Deve estar no bar com os
amigos bebemorando.
No
dia seguinte Cristina acha o seguinte bilhete encima da mesa:
“Cristina.
Eu te amo muito, de todo o coração, mas acredito não estar preparado para ser
pai. Pensei que estaria pronto, mas não estou. Sou muito novo ainda. Tenho
muita coisa para fazer e um filho não faz parte dos planos. Recebi uma proposta
de emprego muito boa e por conta disso estou indo morar no Rio de Janeiro. Como
disse antes, te amo muito e espero que vocês dois possam ser muito felizes. Beijos,
Gerson.”
Cristina
vê o chão sob os seus pés desaparecer. Na segunda-feira fica sabendo que será
mãe e na terça-feira é abandonada pelo namorado. Liga para sua melhor amiga que
tenta consolá-la. Depois liga para sua mãe que, como toda mãe, é clarividente e
diz que sabia que isso iria acontecer.
Depois
de duas semanas de muito sofrimento, com crises diárias de choro, Cristina se
recompõe. A alegria de ser mãe diminui a frustração de ser abandonada.
Após
um mês da primeira consulta ela está de volta ao consultório para exames de
rotina.
- Olá, Cristina. Tudo bem?
- Mais ou menos, doutor.
- Cadê o seu namorado?
- Então... Nós terminamos. Quer dizer, na
verdade ele terminou.
- Hmmm... Sinto muito.
- Tem problema não, doutor. Vida que segue.
Como está o meu bebê?
- Os exames mostram um bebê saudável.
- Que bom. Já da para ver o sexo?
- Ainda não. Acredito que na próxima
consulta. Continue na dieta que eu recomendei, ok?
- Ok. Obrigado, doutor.
Cristina
vai para casa feliz, pois tudo o que queria era ouvir que seu bebê está bem.
8 meses depois...
- Aaaaaaaaaaaaaaahhhhhh....
- Isso. Continue fazendo força.
- Se fizer mais força eu explodo.
Aaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhh....
- Pare de reclamar e faça força.
- Iiiiiihhhhhh Aaaaaahhhh
TUM
- O QUE ACONTECEU?
- Você deu um chute na cara do médico. Ele
desmaiou.
- ALGUÉM ACORDA ELE.
- Como?
- NÃO ME INTERESSA. ACORDA ELE. QUERO
ACABAR LOGO COM ISSO. AHHHHHHHHHH... IIIIIIIIHHHHH
Muitos
AAAAAAHHHHHHs e IIIIIIHHHHHHs depois.
- Pronto. Está saindo.
- Uééééé... uéééééé... uéééééé...
- Que garotinha mais linda, mamãe.
- Ai meu Deus. Posso pega-la?
- Claro. Aqui está.
É
amor a primeira vista. Na verdade, Cristina já nutria esse amor pelo seu bebê
desde o dia que ficou sabendo que seria mamãe.
- Qual o nome?
- Marina.
- Belo nome. O que significa?
- Aquela que veio do mar. É uma homenagem
ao meu pai. Ele amava o mar. Sempre que tinha uma folguinha ele fugia para o
mar. Dizia que ali era o seu refugio. Ali ficava longe de tudo e todos.
Principalmente da minha mãe. Kkk...
- Que legal. E por falar em mãe...
- Cadê minha neta? Quero pega-la no colo.
- Aqui mamãe.
Assim
é a passagem de Cristina pelo hospital: muitas visitas e chamegos. Todos querem
pegar a Marina no colo. E todos apaixonados por aquela coisinha fofa, de
cabelos loiros e olhos claros, como a mãe.
O
tempo vai passando e o amor de Cristina por Marina só faz crescer. É um
sentimento puro e genuíno. Tudo corre bem a não ser por um detalhe que deixa uma
pulga atrás da orelha de Cristina: Marina não consegue andar. Ela já está com
dois anos e não consegue ficar de pé. Os médicos dizem que é normal. Algumas
crianças demoram um pouco mais até começar a andar. O problema é que Marina está
demorando demais.
Cristina
resolve então levar sua filha para o melhor hospital da cidade. Raspa todas as
economias do banco e paga por um exame caríssimo e que só pode ser feito pelo
Hospital das Clinicas.
- Senhora Cristina?
- Pois não?
- O doutor a está esperando. Pode entrar.
- Obrigada... Com licença doutor.
- Claro, Cristina. Sente-se, por favor.
Cristina
senta, aflita com aquela situação.
- Bem, mãe. Creio não ter boas
notícias.
Os
olhos de Cristina imediatamente se enchem de lágrimas.
- Marina tem o que chamamos de *Síndrome de
Renault, doença que não é diagnosticada com os exames rotineiros. Ela ataca os
membros inferiores dos bebês.
- Mas doutor.... Ela parece tão bem, tão
saudável.
- E ela é uma criança saudável. Mas
infelizmente, nessa área, o da locomoção, bem... não há remédio e nem cura.
- Isso quer dizer o que????
- Que ela nunca andará.
- Nunca? Tem certeza, doutor? Faz de novo o teste, por
favor.
- Cristina, eu fiz os testes 3 vezes. Não há
nada que possamos faze. Sinto muito.
Pela
segunda vez o chão desaparece sob os seus pés. A primeira vez foi quando Gerson
a deixou. E agora ela fica sabendo que sua Marina, uma menina de sorriso fácil,
não poderá andar. Não poderá correr. Nesse momento se passa um filme pela sua
cabeça. Se lembra do vídeo que o seu pai fez dela, Cristina, dando os primeiros
passos. Se lembra de quando brincava de pega a pega. Se lembra de quando corria
pra cima e pra baixo com a sua cadela Sophie. Essas memórias não traziam
nenhuma alegria nesse momento, porque ela sabia que sua filhinha não teria a
oportunidade de fazer nada disso.
7 anos depois...
Hoje
é aniversário de Marina, a menina mais linda desse mundo - nas palavras da mãe
babona. Está tudo decorado com a cor verde. Sim, Marina é palmeirense. Cristina
tentou persuadi-la a torcer pelo Santos, mas Marina não cedeu. Ela que pediu pela cor
verde e por um bolo do Palmeiras.
Apesar
da sua limitação motora, ela não tem problemas na escola. Ao contrário, é sempre
uma das primeiras alunas da classe. Motivo de orgulho da família.
Todos
estão felizes. A alegria de Marina é contagiante. É impossível ficar triste
perto dela. Todos se aproximam da mesa, pois é chegada a hora de cantar
parabéns. Cristina pede silêncio.
- Ok, pessoal. Vamos todos
ficar em silêncio e cantar um parabéns bem forte para Marinaaaaaa....
Todos
cantam com entusiasmo.
- Ok, filha. Agora, faça um pedido e apague
as velinhas.
- Posso pedir dois?
- Claro.
- O primeiro é que...
- Nãããão... não pode falar qual é o desejo.
- Por quê não?
- Se falar ele não se realiza.
- Tá bom. Mas mãe, posso fazer dois mesmo?
Posso?
- Geralmente não. Mas hoje iremos abrir uma
exceção.
E
com essas palavras Marina fecha os olhos e todos, sem ensaio, ficam em silêncio
enquanto ela pensa nos desejos. Parece até que Marina está orando. Passados
exatos 44 segundos, ela abre os olhos e apaga as velinhas. Todos estão quebram
o silêncio e atacam o bolo de morango de Cristina, famoso no bairro.
10 anos depois
Marina
não é mais uma menina. Hoje é uma mulher de 19 anos de idade que está no
primeiro ano da faculdade. Sua limitação motora não a limitou e está agora
matriculada no curso de Direito de uma das faculdades mais bem conceituadas do
país. Nesse momento ela está no vestiário se arrumando para uma partida de
basquete para cadeirantes.
- O jogo hoje será difícil, hein? As
meninas do outro time são muito boas.
- São sim, Marina. Mas nós temos uma arma
secreta.
- Temos? O que?
- O que não. Quem.
- Quem???
- Você, Marina. Você é nossa melhor
jogadora e tenho certeza que irá arrasar.
- Para com isso, Soninha. Nós iremos
arrasar. Nós.
Após
o jogo, ambas têm razão. O time arrasa e Marina é eleita a melhor do jogo.
Quando está indo para o vestiário, seu treinador lhe chama. Está com uma pessoa
ao seu lado.
- Marina, posso falar com você?
- Claro, couch. O que manda?
- Esse é Guilherme.
- Oi, Guilherme. Prazer em conhecê-lo.
- Olá, Marina. O prazer é todo meu.
- Bela camisa, Guilherme. Amo essa cor
verde. E amo esse símbolo aí com o P no meio. Também sou palmeirense.
- Que legal, Marina. Mas eu não sou apenas
palmeirense. Eu também trabalho no Palmeiras.
- Sério? Que show. Se eu te der uma camisa
você pega uns autógrafos pra mim?
- Claro, mas se ao invés de eu pegar,
porque você mesmo não pega? Se você quiser eu te levo ao clube para você
conhecer os jogadores.
- OH MY GOD !!!! É SÉRIO ISSO??????
- Claro. Quando seria um dia bom para você?
- Hoje!!! Agora!!! Já!!!
Marina
é só alegria. Vai visitar o seu clube de coração e conhecer os jogadores que
defendem as cores verde e branco.
- Só preciso ligar para mim
mãe. E tomar um banho também, né? Não posso aparecer lá desse jeito.
É
um dia mais do que especial na vida de Marina. Ela tira fotos, recebe camisas
autografadas por todos os jogadores, ganha mimos do presidente Paulo Nobre, pisa
no gramado sagrado do Allianz Park, almoça junto com os jogadores São Marcos e
Evair. Tudo é festa. Guilherme então a chama de lado para uma conversa que irá
mudar sua vida.
- Está gostando do tour?
- A-MAN-DO
- Que bom. Marina, tenho algo para lhe
contar.
- Pois conte.
- Eu te conheço há algum tempo já. Tenho
acompanhado os seus jogos.
- E gostou do que viu?
- Oh, gostei e muito... Bem, vou direto ao
assunto. Os grandes clubes de São Paulo irão criar uma liga de basquete para
cadeirantes. Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos irão investir em
esportes visando os jogos Paralímpicos que acontecerão no Rio em 2016. É uma
maneira que o governo, junto com os clubes, achou para motivar as pessoas que
tenham algum tipo de deficiência.
- Nossa, que bom. Já era tempo, né?
- Também acho. Mas enfim, nós, da Sociedade
Esportiva Palmeiras, gostaríamos de tê-la no nosso time de basquete. A sua
alegria, entusiasmo e habilidade vão trazer muitos benefícios para nossa
equipe. E tenho certeza que, do Palmeiras para a seleção brasileira, será um
pulo.
Marina
está em silêncio. Não se mexe. Guilherme imagina o pior. Ele segura Marina
pelos ombros e começa a chacoalhá-la delicadamente. Mas ela continua sem se
mexer. Ele fica desesperado. De repente Marina solta um pequeno som inaudível.
Guilherme põe o ouvido próximo da boca de Marina, que continua a soltar
pequenos sons inaudíveis. Ele põe o ouvido mais próximo da boca de Marina
quando então ela dá um grito:
-
UHUUUUUUUUUU YEEEEEEEEEESSS OH MY OH MY
OH MY UHUUUUUUUUUU YEEEEEEEEEESSS NÃO ACREDITOOOOOO NÃO A-CRE-DI-TOOOOOOO QUANDO SURGE O ALVIVERDE IMPONENTE UHUUUUUUUUUUUU YEEEEEEEEEEEESSS
Guilherme
dá um pulo para trás. Passado o susto, começa a gargalhar. Quando se aproxima
de Marina, é agarrado por ela. Recebe um dos abraços mais aconchegantes e
sinceros de toda sua vida. Marina começa então a chorar copiosamente.
Guilherme, que é uma manteiga, não se aguenta de emoção e também começa a
chorar. Ele então segura Marina pelos ombros novamente e olhando diretamente
nos seus olhos diz:
- Tenho a mais plena convicção de
que você será um exemplo de vida para muita gente. Dentro e fora do esporte.
Marina,
secando as lágrimas que teimam em parar de cair, devolve o olhar direto e grita:
- SORVETEEEEEEEEEE. Vamos
comemorar tomando sorvete.
Eles
caem na gargalhada de novo e juntos vão para uma das lanchonetes do estádio. É
hora de encher a cara de sorvete.
16 de setembro de 2016...
Final
do Basquetebol Feminino em Cadeiras de Rodas. Os Estados Unidos batem a
Alemanha por 62 a 45. O Brasil encerra sua participação na Paralimpíada Rio
2016 na sétima colocação, tendo ganho da Argentina e perdido para Alemanha e
Canadá. Essa é a melhor participação do Brasil em todas as Paralimpíadas.
Duas
semanas depois do encerramento dos Jogos, o governador de São Paulo convida as
atletas para uma cerimônia no palácio do governo. Alguns atletas irão
discursar. Um dos atletas é Marina.
O
governador faz a abertura do evento falando sobre as conquistas e benefícios
que os jogos trouxeram para a cidade, para o país, para a população. O seu
discurso é interrompido 3 vezes por algumas pessoas que gritam: FORA TEMER.
Essas pessoas são imobilizadas pelos seguranças e são convidadas a deixar o local.
Nervos colocados no lugar, é hora da participação de Marina.
“Boa tarde, governador. Boa
tarde, atletas. Boa tarde, familiares. Boa tarde, jornalistas. Me esqueci de
alguém? Bem, quero começar com um agradecimento à todos que acreditaram nos
Jogos. Muitos tinham um pé atrás por entender que não estávamos preparados para
receber pessoas do mundo todo. Provamos que eles estavam errados.
Quero agradecer aos clubes de
futebol e empresas que investiram em muitos que estão aqui hoje. Por favor,
continuem investindo. O esporte precisa do dinheiro de vocês.
Quero agradecer aos jornalistas
que nos acompanharam por todo esse tempo. Vocês levaram para o mundo imagens e
reportagens maravilhosas sobre os esportes e sobre os atletas. Muito obrigada.
Por favor, uma salva de palmas
para vocês.”
O
público presente começa a aplaudir. Depois de quase um minuto de aplausos, eles
se silenciam novamente.
“Muitos nos chamam de heróis e
heroínas. Outros tantos nos chamam de guerreiros. Veem na gente a expressão da
superação. A expressão da garra. Olho em volta e vejo pessoas que não tem um
braço. Outros não têm os dois braços. Pessoas sem um perna. Pessoas com
problemas de visão. Pessoas com transtornos mentais.”
Marina
para de falar por alguns segundos. Tenta conter as lágrimas, coisa que muitos
ali já não conseguem.
“Você imaginar que essas
pessoas conseguem jogar futebol, nadar, correr, pular. Fale a verdade. Você já
imaginou um time de futebol onde os jogadores são cegos??? Bem, no mínimo é um
jogo sem organização e que o placar terminará indubitavelmente 0x0, certo?
Errado. São jogos emocionantes, com times organizados e com muitos gols.
Detalhe: os goleiros têm a visão perfeita. E para orgulho nacional, o Brasil
tem o melhor time do mundo e o melhor jogador do mundo, Jeffinho, o Neymar do
futebol de 5. Deixa eu falar baixo aqui, mas pra mim ele joga mais que o
Neymar.”
O
público solta uma gargalhada gostosa.
“E o que dizer de Daniel Dias,
o maior medalhista na natação em Paralimpíadas? O cara é um fenômeno, é um orgulho,
é brasileiro. Por favor, fiquem de pé e deem uma salva de palmas bem forte para
esses atletas que, diferentemente dos participantes do Big Brother, são os
guerreiros e guerreiras.”
Marina
nem termina de falar e as pessoas já estão de pé aplaudindo de forma
entusiasmada e aos gritos de Uhuuu, Viva, Parabéns, Heróis, Guerreiros e todo
tipo de elogio possível e imaginável. Realmente é um momento lindo que dura
quase dois minutos ininterruptos. Enquanto o público aplaude, os atletas se
cumprimentam com abraços e beijos. Muitos sorriem. Muitos choram.
Passado
o êxtase, Marina volta ao microfone.
“Uma vez, quando estava na
quinta série, a professora de português nos fez escrever uma redação sobre o
amor. Ela queria que descrevêssemos o que era o amor para nós. Muitas ideias se
passaram pela minha cabeça, mas nenhuma conseguia expressar o que era amor.”
Marina
fica em silêncio mais uma vez, e agora não consegue e não quer conter as lágrimas.
Enquanto isso, silêncio total.
“Quando cheguei em casa ficou
claro para mim o que era amor. Coloquei então tudo num papel e levei para
escola. Pelo menos eu achei que tinha levado. Quando fui entregar a redação
para o professora, não encontrei. Fiquei desesperada e chateada. Fiquei um
tempo sem poder comer, pois queria que minha professora lesse. Fiquei muito
triste porque foi a melhor redação que já escrevi na minha vida e eu a havia
perdido. S[o que não...
Marina,
com um sorriso largo no rosto, levanta algumas folhas de papel para o alto.
“Mexendo nas minhas coisas
semana passada, eu a encontrei. Está aqui a redação que explica o que o amor
para mim. E agora terei a oportunidade de lê-la não somente para minha professora,
mas para todos vocês.”
Mais
lágrimas.
“O nome da redação é ANJO.
O que é o amor? Depois de
pensar muito sobre o assunto, cheguei à conclusão que o amor não é algo. O amor
é alguém: ele nasce, pulsa, toma forma, cresce, amadurece. O amor não se guarda.
Não é egoísta. Não se contenta em ficar só. Ele precisa se derramar. Precisa se
espalhar. Não consegue ficar parado. Ele busca a tudo e a todos.
Deixe-me tentar exemplificar.
Quando ainda dentro da barriga da minha mãe pude sentir o que é o amor. Eu
ouvia todos os dias a sua voz. Ela conversava comigo. Ela cantava para mim. Ela
sorria para mim. Ela gargalhava para mim. Havia momentos que ela também
chorava. Mas nunca a ouvi chorar tanto quanto no dia que eu nasci. Eram lágrimas
misturadas com sorrisos. O médico me colocou do ladinho dela e ali pude sentir
suas lágrimas molhando o meu rosto.
Em casa pude sentir o seu
grande amor por mim. Ela não desgrudava de mim por um segundo qualquer. Me alimentava.
Me dava banho. Trocava minha fralda. Me colocava no berço para dormir. Essa parte
eu não gostava não. Então eu começava a chorar para chamar sua atenção. E ela,
mesmo cansada, levantava, me pegava no colo, cantava uma música de terror para
mim (Nana neném que a Cuca vem pegar o papai foi pra roça e a mamãe foi
passear), me dava mais leitinho, cantava mais um pouco e no fim eu acabava
dormindo na cama com ela.
O tempo foi passando e fui
percebendo o quanto ela me amava. O cuidado que ela tinha por mim. O sofrimento
que ela passou para comprar minhas roupas, meus brinquedos. Mas nada a fez
sofrer mais do que a notícia de que eu não iria andar. Que eu seria dependente
de uma cadeira de rodas. Isso acabou com ela. Foi a segunda vez que a vi chorar
muito. Mas dessa vez de tristeza mesmo. Lembro que ela me pegou no colo e não
queria me largar. Dizia que me amava demais e que juntas iríamos conquistar o
mundo. Dizia que não seria uma doença qualquer que iria atrapalhar os meus
sonhos.
Ela então, mãe solteira,
trabalhava dia e noite para poder pagar as contas e comprar os meus remédios. E
também para adaptar a casa. Minha avó tomava conta de mim enquanto minha mãe
estava fora. Foram momentos difíceis, tensos, duros, de muita luta. Eu a via
muitas vezes cansada, mas nunca triste. Ao contrário. Ela chegava, tomava banho
e lia uma história para mim. Feliz da vida. Sorrindo. Me abraçando e me beijando.
Eu me perguntava como aquilo era possível. Mas agora entendo. Era o amor na sua
mais pura forma.
Em um dos meus aniversários eu
fiz dois pedidos. Um possível e o outro impossível. Todos os dias eu via minha
mãe assistindo a novela, e sempre que havia um casal se beijando, ela
suspirava. Eu pedi então para o Papai do Céu mandar um namorado para minha mãe."
Marina
para de ler a redação e anuncia: "senhoras e senhores, meus pais." Todos então se
levantam e começam a aplaudir, enquanto eles se encaminham para o palco. Ao chegar,
os três se abraçam. Os seus pais se sentam e então Marina retoma a leitura.
"O segundo pedido não será tão
fácil e não tenho certeza que serei atendida. Eu disse para o Papai do Céu que
quando crescer quero ser como minha mãe. Amar como ela me amou. Me dedicar as
pessoas como ela se dedicou a mim. Dar atenção as pessoas como ela deu atenção
a mim. Entender as pessoas como ela me entendeu. Tratar as pessoas como ela me tratou. E quando ser mãe, quero ser mãe como ela."
Marina olha para sua mãe e dá um sorriso.
"Professora, não sei se a
senhora acredita em anjo da guarda. Bem, eu acredito. O meu mora na minha casa
e se chama Cristina. Deus a colocou no mundo para cuidar de mim. E ela tem
feito isso de forma excepcional. Se hoje eu acredito no amor, é por causa do meu anjo Cristina. Se hoje eu sei o que é o amor, é por causa do meu anjo Cristina. Se hoje
eu sinto o amor, é por causa do meu anjo Cristina.
Marina então dobra as folhas da
redação e olhando para sua mãe diz: Mãe, obrigada por me mostrar o amor.
Obrigada por ser o amor. Dona Cristina, EU TE AMO !!!"
O lugar vem abaixo. Nesse momento ninguém mais se aguenta. É uma choradeira só.
Cristina corre e abraça sua filha. As duas ficam ali por algum tempo. Não escutam
os gritos da galera. Nesse momento, elas apenas escutam o som do coração.
Marina então pega o microfone e diz:
"Sei que nesse lugar há muitas Cristinas. Há muitos anjos enviados por Deus para cuidar dessa galera que disputou as Paralímpiadas. Mas há também lá fora outros anjos que cuidam de pessoas com algum tipo de comprometimento da função física ou intelectual. Estou falado dos pais, que fazem o possível e o impossível para os seus filhos. Quero agradecê-los de coração e dizer que, lá no Céu, tem um lugar especial guardado para todos vocês. E quero encerrar essa minha participação dizendo: obrigado, obrigado,obrigado."
Depois da cerimônia, recheada de discursos, sorrisos, prêmios, abraços e lágrimas, Marina e sua família foram a sorveteria.