A razão dos irracionais
Treze
de novembro de 2015
Paris,
França
21:20
Stade
de France
Ataques
com homens-bomba
4
mortos
21:25
Le
Carillon e Le Petit Cambodge
Ataque
a tiros
14
mortos
21:32
Pizzaria
La Casa Nostra
Ataque
a tiros
5
mortos
21:38
Le
Belle Equipe
Tiros
na entrada
18
mortos
21:49
Casa
de shows Bataclan
Ataque
a tiros
86
mortos
Boulevard
Voltaire
Tiros
na via pública
2
mortos
Fonte:
Jornal O Estado de São Paulo
*****
Marcos
e Pamela estão irradiantes. É a primeira vez do casal na Cidade Luz. Economizaram
durante três anos e agora desfrutam da viagem dos sonhos de milhões de pessoas
do mundo todo. Marcos, professor de francês de uma escola renomada do estado de
São Paulo. Pamela, funcionária pública. Os dois se conheceram na escola onde
Marcos leciona. Lá começou o romance e lá fizeram a promessa de que um dia
iriam viajar pela Europa e o ponto inicial seria Paris.
Marcos
é um rapaz paciente, mas até sua paciência tem limite.
-
Vamos logo, amor.
-
Calma. Já estou indo.
-
Há 1 hora você diz que já está vindo e nada.
-
Você me conhece. Eu demoro mesmo.
-
Sim. Mas hoje você está quebrando todos os recordes.
Pamela
finalmente abre a porta. Marcos olha embasbacado com tanta beleza e entende que
valeu a pena ter esperado.
-
E aí. Estou bonita?
-
Você está linda.
-
Para onde vamos?
-
Para o restaurante Le Petit Cambodge.
-
É bom?
-
Ouvi dizer que sim.
-
Não vejo a hora de comer comida francesa.... Na França. Mais especificamente em
Paris.
-
Eu também não vejo a hora. Quero comer desde que assisti ao filme Ratatouille.
Lembra?
-
Como iria me esquecer? O ratinho é um verdadeiro MasterChef. Agora, venha aqui.
Marcos
puxa Pamela delicadamente pelo braço e lhe dá um beijo como há muito não dava.
Então, próximo ao ouvido dela ele sussurra.
-
Esse dia será especial. Será inesquecível.
Não
muito longe dali, Ahamed faz uma oração. Ele pede a Alá que o proteja e que o
ajude a cumprir sua missão. Ele está ansioso. Assim como Marcos e Pamela, ele
também aguarda por esse momento desde quando era criancinha. Sempre sonhou em
morrer por Alá e junto varrer da Terra os infiéis e depois, ao chegar ao
paraíso, ser recepcionado por 77 virgens. Não há coisa mais maravilhosa.
Ahamed
cresceu achando que iria se sacrificar usando uma bomba, mas foi avisado pelos
superiores que iria utilizar uma metralhadora.
-
Ahamed, preparado?
-
Sim.
-
Alá é contigo. Ele te ajudará.
-
Sim.
-
Ele ficará muito grato por matar aqueles que deterioram sua palavra.
-
Sim.
Ahamed
está tão ansioso que só sabe dizer ‘sim’. Ele recebe dois beijos no rosto e um
na testa. Nesse momento ele está pensando na família que está na Síria. Gostaria
tanto que sua mãe estivesse viva para vê-lo triunfar diante do mal. O mundo
saberia quem ele é e da forma mais terrível.
Marcos
e Pamela estão sentados próximos da janela. Ele escolheu bem o local da mesa. E
também o restaurante. O ambiente é agradável e diferente do que ouviu falar, os
franceses têm sido bem atenciosos e educados com ele. Ele está muito feliz,
pois consegue se comunicar em francês com muita facilidade.
Ele
olha para Pamela e se sente um homem de sorte. Pamela olha de volta e pensa que
ela sim é uma mulher de sorte. Os dois pegam o menu e escolhem o vinho que irão
degustar. Marcos chama o garçom, quando ouve um barulho. Parece ser um tiro.
Passados cinco segundos, mais barulho. Mais tiro. Ele pula para o lado de
Pamela. Precisa protegê-la. Os dois então se escondem debaixo da mesa. Um menino
com uma metralhadora na mão começa a falar numa língua que ninguém entende.
-
Oh Meu Deus. O que está acontecendo?
-
Não sei querida. Mas tente ficar calma. Tente não fazer barulho.
-
Não fazer barulho??? Mas como???
-
Calma, porque senão eles...
O menino, que não dever ter mais do que 17
anos, dá um chute na mesa, expondo Marcos e Pamela. Ela então começa a gritar.
E em bom francês Ahamed diz:
-
Peça para essa vadia insolente ficar quieta.
-
Você fala francês?
-
Sim. E inglês. E espanhol. E alemão. E um pouco de português. Agora, peça para
ela calar a boca.
Marcos
olha para Pamela que está com a maquiagem toda borrada de tanto chorar. Ele a
puxa para o seu lado e no seu ouvido diz algo que a deixa mais calma. O que ele
disse? Nunca saberemos, pois no momento que ele para de sussurrar, Ahamed
aponta a metralhadora e sem piscar fuzila os dois. E ali, debaixo da mesa de um
restaurante em Paris, termina o que era o começo.
Marcos
ainda tenta dizer algo, mas não dá tempo. Ele consegue apenas gritar o início
da palavra não, algo como Nãããão. Pamela recebe o primeiro tiro e é ele que tira
sua vida. Os outros não fazem efeito, a não ser deixar o vermelho do sangue
mais vermelho, lavando o vestido que comprou numa das lojas mais chiques de
Paris. Marcos, antes de fechar os olhos para não abrir mais, consegue chegar
próximo de Pamela. E então a abraça como se tivesse revestido de armadura, na
vã tentativa de protegê-la dos tiros. Ledo engano. As balas atravessam as suas
costas, e no caminho encontram os pulmões e os rins. Marcos não respira mais e ali
fica, parado, num abraço que remete a uma cena que seria muito bonita não fosse
o motivo que levou àquele abraço.
Pessoas
vendo o que aconteceu ao casal saem correndo, desesperados e sem direção, como
baratas quando estão acuadas. Ahamed, como um exterminador, vai atirando e
enquanto atira pensa em Alá e nas 77 virgens que o aguardam na porta do
paraíso.
*****
Essa
história é fictícia, porém semelhanças com o que aconteceu na França não é mera coincidência. Muito se escreve e se
fala sobre o ocorrido: fanatismo religioso? Estupidez? Falta de amor? Excesso
de ódio? Intolerância? Bem, fico com todas as alternativas acima. Tenho certeza absoluta de que Deus não está nem um pouco feliz com os últimos acontecimentos. E Ele deve ficar mais triste quando vê pessoas usando o seu nome para ceifar vidas.
Os ataques
nos deixam perplexos e nos fazem pensar: até onde vai a irracionalidade do ser
humano?