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sexta-feira, 3 de abril de 2015

Cidade Maravilhosa

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Era o seu primeiro dia numa cidade grande. Por anos ela sonhava com esse momento. Contava os dias. Sua mãe também contava. Mas não os dias e sim os causos de pessoas que vivem nos grandes centros urbanos, se aglomerando umas sobre as outras como formigas e morando em prédios que são tão altos que chegam a arranhar os céus. Ela sempre contava histórias de pessoas que eram sequestradas, estupradas, assassinadas. E como moradora da pequena cidade Passa e Fica, localizada nas entranhas do estado do Rio Grande do Norte, queria que sua filha ficasse e por isso temia o momento da partida. Não queria ver sua filhinha batendo asas e deixando a pequena cidade, pois ela mesmo, como gostava de lembrar, nunca tinha colocado os pés fora da cidade. Nunca teve vontade. Já Marisa, diferentemente de sua mãe, não via a hora de conhecer outros lugares. Outras pessoas. E o carnaval era a chance para isso.

Marisa cresceu ouvindo falar sobre essa cidade. Uma cidade tão diferente e tão especial que era conhecida como Cidade Maravilhosa. Quando via na TV o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a praia de Copacabana, ficava de boca aberta. Precisava conhecer a cidade do Tom Jobim e Vinicius de Moraes. A cidade da garota de Ipanema. Aliás, ela sonhava em ser a tal garota. E tinha potencial para isso. Era bonita, inteligente e sensual. Guardava no bolso um cartão postal de um rapaz que esteve de passagem pela cidade. Ele disse para Marisa procurá-lo caso fosse um dia para o Rio de Janeiro. Faria questão de mostrar toda a cidade. Marisa ficava embasbacada cada vez que ouvia falar sobre a favela da Rocinha. Imaginava os morros com pessoas indo e vindo dia e noite. Um local onde pulsava vida. Uma outra coisa que chamou a atenção de Marisa, além do cavalheirismo, foi a beleza do rapaz carioca. E marcou muito o que ele disse quando estava deixando a pequena cidade de Passa e Fica. "Venha para o Rio. Prometo que você nunca mais terá vontade de ir embora. Coisas inesquecíveis e inenarráveis acontecerão com você”.   

Esse dia havia chegado. Marisa estava no Terminal Rodoviário Novo Rio, a nove quilômetros da famosa praia de Copacabana. Estava toda empolgada. E não estava sozinha.

- Wow. Olha isso tudo. Que demais.
- Marisa, to com medo.
- Medo do que?
- É muita gente. Gente que não acaba mais.
- Oxe. Cidade grande é assim mesmo. E estamos na maior de todas.
- Onde mora o seu amigo? Olha aí no cartão postal.
- Já olhei. Fica perto da rodoviária. Dá para irmos andando.
- Não é melhor ligar pra ele antes?
- Não. Vamos fazer uma surpresa.

20 minutos depois...

- Pronto. Chegamos. Vou tocar o interfone.
- Pois não?
- Sou eu. A Marisa.
- Marisa??? Não conheço nenhuma Marisa.
- Você não se lembra de mim? Você passou pela minha cidade alguns anos atrás e disse que eu podia te procurar quando viesse para o Rio.
- Desculpa, mas... Eu estou sempre viajando.
- Você falou que eu era linda, podia ser até atriz de cinema.
- Olha... Sem ofensa... Mas digo isso para um monte de mulheres.
- Você me deu um cartão postal... Me comparou com a Camila Pitanga.
- Camila Pitanga... Camila Pitanga... Lembrei agora. Maneiro. Você é aquela morena gostosa pra cara... Digo, aquela morena bonita, de cintura fininha e cabelo longo, super gosto... digo, bem jeitosinha.
- Isso, sou eu mesmo. E trouxe uma amiga comigo.
- Você o quê? Ai meu Deus. Minhas preces foram atendidas. Calma lá. Vou abrir a porta. ...Clack... Abriu?
- Sim.
- Podem subir. Estou no 7º andar, apartamento 71-B.
- Ta bom. Estamos subindo.

Marisa estava super feliz por reencontrar o rapaz do cartão postal. O nome dele era Dinho. O nome não estava escrito no cartão postal, mas não precisava, pois ela nunca iria esquecer esse nome. Ela não disse nada para Marta, sua amiga de viagem, mas a cidade não era a única razão de estarem ali. Ela estava apaixonada. Não conseguia parar de pensar no rapaz da cidade grande desde o primeiro momento que pôs os olhos nele. O seu coração batia forte. O coração de Marta também, mas por razões diferentes. Ela estava era com medo de tudo aquilo. Naquela cidade tudo era multiplicado por 10: carros, pessoas, barulho.

- Olá. Tudo bem?
- Oi Dinho.
- Wow. Você lembra o meu nome.
- Não tinha como esquecer.
- E qual o nome da sua amiga?
- Meu nome é Marta.

Os três se cumprimentaram. Dinho deu três beijos na bochecha de cada uma delas, o que gerou estranheza por parte de Marta. “Por que tantos beijos? Podia ser só um, né? Mania estranha”, pensou ela. Dinho mostrou o apartamento, pediu licença e foi tomar um banho. Depois de 20 minutos apareceu na sala somente de toalha. Marta tampou os olhos enquanto que Marisa ficou imaginando o rapaz sem aquela toalha. Os três comeram um resto de pizza da noite anterior e saíram para conhecer a cidade.

Depois de um tour pela cidade, tendo Dinho como guia, voltaram para o apartamento. Já passava das 2 da manhã e elas estavam exaustas. Porém Marta não estava mais com medo. Ao contrário. Agora estava era empolgada com tudo que tinha visto. Era uma legião de turistas que vinham de todos os lugares do mundo. Acabaram fazendo amizade com um grupo de americanos que estavam no Rio pela primeira vez. Protagonizaram cenas hilárias. Tanto elas quanto os gringos. Nunca haviam rido tanto. E quanto mais Marisa prestava atenção em Dinho, mais apaixonada ficava. Ele não cansava de explicar a história de cada lugar daquela cidade. E era incrível como sabia tudo sobre tudo e todos. E quando paravam para comer ou beber não deixava que elas pagassem nada. Até aquele momento elas não tinham colocado a mão no bolso.

Depois desse tour maravilhoso pela cidade não estavam apenas cansadas, mas também tontas. Pela primeira vez haviam bebido. E muito. No começo resistiram. Disseram que não iriam ingerir bebida alcoólica. Porém, depois de serem persuadidas por Dinho, acabaram experimentando pela primeira vez a famosa caipirinha carioca. Simplesmente adoraram. Repetiram a dose usando frutas diferentes. No fim da contas haviam consumido caipirinha de limão, morango, pêssego, caqui, quiuí...

Depois de uma volta pela praia de Copacabana decidiram parar na Dona Empada X. Marisa comeu a famosa empada de siri e teve a grata sensação que poderia morrer naquele momento que morreria feliz. Nunca havia comido empada tão saborosa. Marta, ao contrario, não conseguia ingerir mais nada, fosse liquido ou solido. Estava com um enjoo terrível. Que empada de siri o que. Queria era deitar.

Finalmente estavam de volta ao apartamento. Marisa não via a hora de tomar um banho e cair na cama. Marta pensava o mesmo. Já Dinho estava tranqüilo, sereno e com um sorriso no rosto de menino maroto. Pensando bem, Dinho quase que não bebeu. Marta deitou no sofá e ali ficou. Não percebeu que ao seu lado havia um rapaz de camiseta laranja. Ele chegou ao apartamento 1 hora depois que eles saíram. E não estava sozinho.

- Wow. Que noite. Está tudo rodando.
- Mas é uma sensação boa, não é?
- Como você sabe? Você não bebeu nada.
- Não bebi nada hoje. Mas já fiquei bêbado. Fala se não é bom.
- Bem, para falar a verdade... Espera aí...
- O que foi?
- Que pó branco é esse na mesa?
- Isso? É açúcar.
- Não não não. Eu conheço açúcar. To bêbada, mas nem tanto.
- Me pegou. Isso é cocaína.
- Cocaína ??????
- Isso. Eu pedi para os meus amigos trazerem enquanto estávamos fora.
- Amigos???

3 homens se aproximaram. O de camisa laranja que já estava na sala, sentado no sofá, e outros dois que saíram do quarto de Dinho. Três mal encarados. Marisa não estava gostando nada daquilo. Tentou acordar Marta. Sussurrou no seu ouvido. Nada. Deu uns beliscões. Nada. Começou a bater nela. No rosto, nos braços, nas pernas. Marta finalmente abriu os olhos. E quando viu os rapazes pensou estar tendo alucinações. Até que um deles encostou perto dela e puxou seu cabelo.

- Hey. O que você está fazendo??? 
- Vamos dar as boas vindas.
- Por favor, não nos machuquem.
- Perdeu, gatinha....
- Nãããããoooo....

Dinho se juntou ao comparsa que estava segurando Marta pelos cabelos enquanto os outros dois bandidos seguravam Marisa. Ela não acreditava no que estava presenciando. Sua melhor amiga sendo estuprada. Ela tentou fechar os olhos, mas um dos rapazes gritou pedindo que ela os abrisse. E depois falou que ela seria a próxima. Nesse momento Marisa não conseguia pensar em mais nada a não ser nas causos que sua mãe contava sobre pessoas que eram sequestradas, estupradas, assassinadas. Enquanto isso Marta gritava desesperadamente por socorro, mas seus gritos eram abafados pelo som das marchinhas, cantadas incansavelmente pelos foliões do mundo todo que naquela semana se encontravam ali, na Cidade Maravilhosa. 

"Mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamaãããe eu quero mamar. Dá chupeta, dá chupeta, dáááááá chupeeta pro bebê não chorar.”